segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ação de investigação de paternidade e maternidade socioafetiva




A busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva é possível por meio de ação de investigação de paternidade ou maternidade, desde que seja verificada a posse do estado de filho. No caso julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, negou a existência da filiação socioafetiva, mas admitiu a possibilidade de ser buscado seu reconhecimento em ação de investigação de paternidade ou maternidade.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, seria uma “heresia” usar tal instrumento – destinado a “promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa” – para esse fim.

Analogia

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou em seu voto que a filiação socioafetiva é uma construção jurisprudencial e doutrinária ainda recente, não respaldada de modo expresso pela legislação atual. Por isso, a ação de investigação de paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser interpretada de modo flexível, aplicando-se analogicamente as regras da filiação biológica.

“Essa aplicação, por óbvio, não pode ocorrer de forma literal, pois são hipóteses símeis, não idênticas, que requerem, no mais das vezes, ajustes ampliativos ou restritivos, sem os quais restaria inviável o uso da analogia”, explicou a ministra. “Parte-se, aqui, da premissa que a verdade sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares”, acrescentou.

Segundo a relatora, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afasta restrições à busca da filiação e assegura ao interessado no reconhecimento de vínculo socioafetivo trânsito livre da pretensão. Afirma o dispositivo legal: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.”

Estado de filho

Apesar de dar legitimidade ao meio processual buscado, no caso especifico, a Turma não verificou a “posse do estado de filho” pela autora da ação, que pretendia ser reconhecida como filha. A ministra Nancy Andrighi diferenciou a situação do detentor do estado de filho socioafetivo de outras relações, como as de mero auxílio econômico ou mesmo psicológico.

Conforme doutrina apontada, três fatores indicam a posse do estado de filho: nome, tratamento e fama. No caso concreto, a autora manteve o nome dado pela mãe biológica; não houve prova definitiva de que recebia tratamento de filha pelo casal; e seria de conhecimento público pela sociedade local que a autora não era adotada pelos supostos pais.

“A falta de um desses elementos, por si só, não sustenta a conclusão de que não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros”, ponderou a ministra. Contudo, ela concluiu no caso julgado que a inconsistência dos elementos probatórios se estende aos três fatores necessários à comprovação da filiação socioafetiva, impedindo, dessa forma, o seu reconhecimento.


Fonte: STJ

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Temas com repercussão geral reconhecida - STF - DJe 05 a 09/09/2011.

O Informativo n° 639 do Supremo Tribunal Federal traz os temas em que foram reconhecidas a repercussão geral de acordo com as publicações no DJe de 5 a 9 de setembro de 2011.

Abaixo seguem os processos em que foram suscitadas e reconhecidas a repercussão geral:

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 642.682-SP
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
RECURSO. Extraordinário. Adicional de insalubridade. Lei Complementar Estadual nº 432/1985. Extensão. Policiais militares inativos. Precedentes. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É incompatível com a Constituição a extensão, aos policiais militares inativos e pensionistas, do adicional de insalubridade instituído pela Lei Complementar 432/1985 do Estado de São Paulo.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 642.890-DF
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
RECURSO. Extraordinário. Auxílio-invalidez. Fórmula de cálculo. Alteração. Servidores públicos militares. Relevância do tema. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral recurso extraordinário que verse sobre constitucionalidade de decisão que, em face dos princípios constitucionais da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos, afastou a incidência da Portaria 931/MD-2005, a qual alterou a fórmula de cálculo do auxílio-invalidez para os servidores militares, por entender que a referida portaria importou diminuição do valor global dos proventos.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE C/ AGRAVO N. 637.607-RS
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
RECURSO. Agravo convertido em Extraordinário. Gratificação Especial de Retorno à Atividade – GERA. Redução legal. Vigência da lei redutora. Reingresso de servidores públicos. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É compatível com a Constituição a redução da Gratificação Especial de Retorno à Atividade – GERA, se o ingresso ou reingresso dos servidores públicos, aos quadros do CVMI, ocorreu após a edição da Lei Estadual 10.916/1997.

REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 838.194-RS
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
RECURSO. Agravo de instrumento convertido em Extraordinário. Serviço Militar. Estudante de medicina. Dispensa por excesso de contingente. Nova convocação. Relevância do tema. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral recurso extraordinário que verse sobre a convocação, após conclusão do curso, de estudante de medicina dispensado do serviço militar obrigatório por excesso de contingente.  



Para saber mais:

Qual a finalidade da repercussão geral? 

Instituto criado pela Emenda Constitucional n° 45/2004, trouxe a possibilidade padronizar procedimentos no âmbito do Supremo Tribunal Federal e demais órgãos do Poder Judiciário, garantindo que as questões constitucionais de maior relevância social, política, econômica ou jurídica fossem uniformizadas, ou seja, que fosse dada uma única interpretação aos múltiplos casos idênticos que chegam ao Judiciário. Assim, o jurisdicionado terá maior segurança jurídica a partir da uniformização da jurisprudência dos tribunais.

Para conhecer um pouco mais sobre repercussão geral acesse o site do STF [link].



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Dias Toffoli reafirma jurisprudência de que a vaga de suplente pertence à coligação


                                                                                            Texto publicado originalmente no site Migalhas




 









O ministro Dias Toffoli, do STF, negou o pedido feito em dois mandados de segurança impetrados por suplentes que pretendiam assumir cargos na Câmara Federal devido à licença dos titulares dos quais seriam os primeiros suplentes pelos partidos aos quais são filiados. O primeiro MS se refere ao deputado Federal João Destro do PPS/PR e o segundo pedido é da deputada Federal Romanna Giulia Ceccon Leandro Remor, do DEM/SC.


MS 30317

João Destro alegava na inicial que é o oitavo suplente na coligação partidária pela qual concorreu ao cargo de deputado Federal nas eleições de 2010. Com relação ao partido ao qual ele é filiado (PPS/PR), informava ser o primeiro suplente para a Câmara Federal. João Destro argumentou também que em razão da licença do deputado Federal Cezar Silvestri (também filiado ao PPS/PR) para tomar posse como Secretário Estadual do Desenvolvimento Urbano do Paraná (SEDU), a Mesa da Casa Legislativa deveria proceder à sua convocação conforme a ordem de suplentes da coligação.

MS 30391

Neste MS, a deputada Federal, Romanna Giulia Ceccon Leandro Remor alegava que se classificou como primeira suplente para o cargo de deputado Federal se considerado o seu partido (DEM), isoladamente. Na lista de suplentes da coligação partidária, sustentou ter alcançado a quarta posição. E disse, ainda, que dois dos candidatos mais votados do seu partido (DEM) encontram-se na iminência de pedir licença do mandato para assumir cargos políticos no governo do Estado de SC.

Ambos os parlamentares pediam o deferimento das liminares para que o Supremo determinasse ao Presidente da Câmara dos Deputados as imediatas posses nos cargos vagos. No mérito, pediam a confirmação da liminar para garantir a vaga no cargo de deputado Federal enquanto perdurasse a licença dos primeiros colocados.

Decisão

Para o ministro Dias Toffoli, as pretensões dos deputados Federais estão fundamentadas na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreram e foram eleitos os candidatos, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

Porém, em sua decisão, o ministro Dias Toffoli lembrou que em abril deste ano, quando a Corte analisou um mandado de segurança sobre o mesmo tema, ficou firmada jurisprudência no sentido de que a vaga de suplente pertence à coligação e não ao partido político.

Por fim, o ministro disse que "as vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral". Dessa forma, negou a segurança.
  • Processos Relacionados : MS 30317 - clique aqui.
                                          MS 30391 - clique aqui.
__________
 MS 30317
DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por JOÃO DESTRO em face do PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Deputado Marco Maia.

Os argumentos exarados na peça vestibular podem ser assim sintetizados:

a) apesar de o impetrante encontrar-se na posição de oitavo suplente na coligação partidária pela qual concorreu ao cargo de deputado federal nas eleições de 2010 (PRB/PP/PPS/DEM/PSDB), quando observado apenas o partido a que é filiado (PPS/PR), encontra-se na condição de primeiro suplente para a Câmara Federal;

b) em razão da licença do Deputado Federal CEZAR SILVESTRI (também filiado ao PPS/PR) para tomar posse como Secretário Estadual do Desenvolvimento Urbano do Paraná – SEDU, existe interesse jurídico do autor na concessão da ordem, ante a orientação da Mesa da Casa Legislativa no sentido de proceder à convocação conforme a ordem de suplentes da coligação, encaminhada à Câmara dos Deputados pela Justiça Eleitoral;

c) o STF possui jurisprudência recente favorável à pretensão deduzida nos autos, no sentido de que a coligação partidária é figura jurídica transitória, limitada ao período eleitoral; deve, assim, as vagas surgidas no curso do exercício do mandato serem preenchidas pelos candidatos ao cargo pelo mesmo partido do titular (MS nº 29.988/DF-MC);

d) requer seja deferida medida liminar preventiva para, em caso de licença do Deputado Federal CEZAR SILVESTRINI, determinar ao Presidente da Câmara dos Deputados que proceda à imediata posse do impetrante no cargo vago;

e) ao final, seja confirmado o provimento cautelar a fim de garantir o direito líquido e certo do impetrante de ocupar a vaga no cargo de Deputado Federal, “enquanto perdurar a licença do titular no PPS”.

O impetrante juntou documentos por meio eletrônico, de entre eles cópia de certidão expedida pelo Tribunal Regional Eleitora do Paraná em que consta ter, nas eleições de 2010, obtido a oitava suplência para o cargo de Deputado Federal pela coligação partidária, mas a primeira suplência pelo PPS/PR.

Despachei a inicial a fim de requisitar informações à autoridade impetrada e cientificar a AGU para se manifestar quanto ao interesse de ingressar na lide, reservada a análise do pedido liminar após o recebimento destas.

A autoridade impetrada apresentou informações::

“(...)
Cumpre informar, pois, que o deputado pedro Cesar Silvestri (PPS/PR), eleito pela coligação DEM/PPS/PP/PRB/PSDB, licenciou-se do exercício do mandato em 2 de fevereiro de 2011, nos termos do art. 56, I, da Constituição Federal, para assumir o cargo de Secretário de Estado.
No dia 4 de fevereiro de 2011, tomou posse o suplente Luiz Carlos Setim (DEM/GO), nos termos da ordem de suplência da Coligação DEM/PPS/PP/PRB/PSDB, enviada a esta Casa pela Justiça Eleitoral do Paraná (quadros anexos).”

A União, por meio de petição, requereu seu ingresso na lide. Em suas razões, sustenta (i) a ilegitimidade do impetrante para ajuizar o writ, pois a pretensão conflita com interesse do partido; (ii) que o processo deve ser extinto pela perda do objeto, por já haver posse no cargo pretendido, desde fevereiro de 2011, o que impossibilita o Presidente da Câmara desfazer o ato perfeito da investidura; (iii) que a matéria está positivada de forma clara e contrária à tese do impetrante, no sentido de haver distinção entre a coligação e os efeitos jurídicos dela decorrentes na relação entre os partidos coligados, seus suplentes e candidatos eleitos; (iv) que o caso em questão é distinto do evocado na inicial – MS 29.988/DF-MC.

É o relatório.

I. A moldura fático-jurídica do objeto da ação

O mandamus foi impetrado com o objetivo de se obter a posse no cargo de Deputado Federal, vago em virtude da licença obtida pelo parlamentar CEZAR SILVESTRI, em 02/02/2011.

A pretensão do autor está fundamentada na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreu e foi eleito o candidato, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

II. A JURISPRUDÊNCIA DO STF ACERCA DO TEMA

Sobre o tema, quando do julgamento do MS nº 30.260/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, sessão plenária de 27/4/2011, acompanhei a maioria, formada no sentido de denegar a segurança, nos termos do voto da Ministra Relatora. Veja-se o que publicado no Informativo STF nº 624:

“O afastamento temporário de deputados federais deve ser suprido pela convocação dos suplentes mais votados da coligação, e não daqueles que pertençam aos partidos, aos quais filiados os parlamentares licenciados, que compõem a coligação, de acordo com a ordem de suplência indicada pela Justiça Eleitoral. Essa a conclusão do Plenário ao denegar, por maioria, mandados de segurança em que discutida a titularidade dessa vaga, se do partido do parlamentar licenciado ou da coligação partidária. Na espécie, os impetrantes, em virtude de serem os primeiros suplentes dos partidos políticos aos quais vinculados os deputados federais licenciados, alegavam possuir direito líquido e certo ao preenchimento das vagas. De início, indeferiu-se a admissão de amicus curiae ao fundamento de se tratar de mandado de segurança, em que envolvido direito personalíssimo. Em seguida, rejeitaram-se as preliminares de ilegitimidade ativa dos impetrantes e de perda de objeto da ação. Reputou-se demonstrada a existência de utilidade ou de interesse na impetração do writ, tendo em conta que o interesse de agir, na sede eleita, evidenciar-se-ia quando o autor da ação precisaria dela se valer para alcançar a sua pretensão jurídica, obstada pela autoridade apontada como coatora. Ademais, quanto à perda de objeto da ação pela impetração preventiva do mandamus e a circunstância de já haver ocorrido a efetivação do ato, afirmou-se que isso robusteceria a necessidade de julgamento do feito para o exame de eventual afronta a direito dos impetrantes.

No mérito, denegou-se a ordem ante a ausência de direito líquido e certo dos impetrantes e, por conseguinte, determinou-se que fosse mantida a seqüência de sucessão estabelecida pela Justiça Eleitoral relativamente aos candidatos eleitos e aos suplentes das coligações. Enfatizou-se que estas seriam instituições jurídicas autônomas — distintas dos partidos que a compõem e a eles sobrepondo-se temporariamente — com previsão constitucional e com capacidade jurídica para representar o todo, inclusive judicialmente. Aduziu-se, nessa perspectiva, que o § 1º do art. 6º da Lei 9.504/97 equipararia essa instituição aos partidos políticos — sobre ela incidindo os preceitos do art. 17 da CF — e lhe atribuiria, ainda que por determinado tempo, prerrogativas e obrigações partidárias, tornando-a apta a lançar candidatos às eleições. Desse modo, apontou-se que a coligação passaria a funcionar, até o fim das eleições, como um superpartido ou uma superlegenda, haja vista que resultaria da união de esforços e da combinação de ideologias e de projetos que se fundiriam na campanha para potencializar a competitividade dos partidos na luta eleitoral — especialmente dos pequenos — e, portanto, poderia ser considerada uma instituição que representaria a conjugação indissociável das agremiações para os efeitos específicos eleitorais na disputa e nas conseqüências que essa aliança traria. Asseverou-se que o reconhecimento da coligação como uma instituição partidária titular de direitos, atuando autonomamente no lugar de cada partido no período de sua composição, asseguraria a harmonia do sistema de eleições proporcionais, prestigiaria a soberania popular e, em última instância, propiciaria a estabilidade das alianças firmadas durante a campanha eleitoral.

Realçou-se que essa instituição criada pela fusão temporária de algumas agremiações formaria quociente partidário próprio. Destacou-se, também, que a figura jurídica nascida com a coalizão transitória, estabelecida desde as convenções partidárias, não findaria seus efeitos no dia do pleito ou, menos ainda, os apagaria de sua existência quando esgotada a sua finalidade inicial. Ressaltou-se, no ponto, que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE admite a atuação das coligações após a apuração do resultado das eleições, a exemplo do reconhecimento de sua legitimidade para pedir recontagem de votos e para ajuizar ação de impugnação de mandato. Frisou-se, ainda, que a suplência ficaria estabelecida no momento da proclamação dos resultados, com a definição dos candidatos eleitos, conforme o cálculo dos quocientes das coligações, e que não poderia haver mudança na regra do jogo após as eleições, no que concerne aos suplentes, de modo a desvirtuar a razão de ser das coligações. Enfatizou-se, não obstante, as reiteradas práticas da Justiça Eleitoral por todo país, no sentido de que o resultado das eleições levaria em conta os quocientes das coligações e dos partidos, quando estes tiverem atuado isoladamente.

Por outro lado, observou-se que a situação em apreço não guardaria relação de pertinência com os precedentes invocados sobre a temática da infidelidade partidária como causa de perda do mandato parlamentar (MS 26602/DF, DJe de 17.10.2008; MS 26603/DF, DJe de 19.12.2008 e MS 26604/DF, DJe de 3.10.2008). Apesar disso, ao distinguir que a presente causa diria respeito à sucessão de cargos vagos no parlamento, salientou-se não haver óbice para que as premissas e as soluções daqueles casos pudessem ser adotadas no tocante às coligações, já que se coligar seria uma escolha autônoma do partido. Consignou-se que, embora esta se exaurisse após as eleições, os efeitos e os resultados por ela alcançados não findariam com o seu termo formal, projetando-se tanto na definição da ordem de ocupação das vagas de titulares e suplentes, definidas a partir do quociente da coligação, quanto no próprio exercício dos mandatos, abrangendo toda a legislatura. Ademais, registrou-se que o princípio da segurança jurídica garantiria e resguardaria o ato da diplomação, que qualificaria o candidato eleito, titular ou suplente, habilitando-o e legitimando-o para o exercício do cargo parlamentar, obtido a partir dos votos atribuídos à legenda dos partidos ou à superlegenda da coligação de partidos pelos quais tivesse concorrido. Assim, a diplomação certificaria o cumprimento do devido processo eleitoral e por ela se consubstanciaria o ato jurídico aperfeiçoado segundo as normas vigentes e pelo qual a Justiça Eleitoral declararia os titulares e os suplentes habilitados para o exercício do mandato eletivo, na ordem por ela afirmada. Acrescentou-se, outrossim, que a problemática, no Brasil, concernente às coligações estaria vinculada à falta de ideologia nos partidos políticos, que se uniriam e se desligariam de acordo com as conveniências. O Min. Gilmar Mendes entendeu que a situação de coligação estaria em processo de inconstitucionalidade, em decorrência da escolha feita pela fidelidade partidária.”

O entendimento desta Corte, portanto, firmou-se no sentido de ser mantida a sequência de sucessão parlamentar expressa nos diplomas exarados pela Justiça Eleitoral após a proclamação do resultado apurado nas urnas, de acordo com a vontade popular e a normas jurídicas vigentes no ordenamento Pátrio.

Na oportunidade, ainda, foi expressamente autorizado aos Ministros decidirem monocraticamente e de forma definitiva casos idênticos.

III. O CASO DOS AUTOS

Transcrevo, em parte, os argumentos exarados pelo autor na peça vestibular, a fim de bem delinear a matéria em debate nos autos:

“Com efeito, apesar de o Impetrante encontrar-se como oitavo suplente da coligação PRB/PP/PPS/DEM/PSDB, verificado apenas o partido (sic) ostenta a condição de primeiro suplente do PPS na coligação para a Câmara Federal (Anexo II).

(...)

É exatamente o ato ilegal e abusivo de direito que se anuncia contra o direito líquido e certo do Impetrante – primeiro suplente que é do partido político. O Mandado de Segurança preventivo pretende evitar a consumação da lesão já antecipada pela Autoridade Impetrara – de que já consignou a desatenção à nova orientação do Supremo para os casos de vacância.

(...)

A coligação é transitória. Só tem vigência no período eleitoral; não pode ficar moribunda, ditando o preenchimento de vagas que são, no período pós eleitoral, dos partidos políticos, independentemente consideradas. (...)”

Está claro, portanto, que o caso em questão apresenta identidade com a situação colocada em discussão no MS nº 30260/DF, razão pela qual passo a decidir monocraticamente o mandamus.

Em consonância com voto escrito que elaborei quando do julgamento do aludido paradigma, entendo que a solução da controvérsia está no reconhecimento da existência de situação jurídica consolidada, insusceptível de reversão por mudança de entendimento pretoriano ex post facto.

O processo sufrágico organizou-se com base em atos administrativos e judiciais praticados no âmbito da Justiça Eleitoral. O suplente foi efetivamente diplomado por aquela Justiça especializada, com base em critérios e quocientes ali fixados. Não pode o Supremo Tribunal Federal reverter esse status quo, que se reveste, a depender do tipo de proteção magna incidente, do caráter de ato jurídico perfeito ou de coisa julgada.

A Resolução TSE nº 19.319 é uma prova inequívoca desse estado de coisas, porquanto ali se definiu que “ocorrendo vaga, será convocado o suplente, na ordem rigorosa da votação nominal e de acordo com sua classificação (art. 50, par. Único, Resolução nº 13.266/86), passando a exercer o mandato sob a legenda do Partido no qual estiver filiado, mesmo que com isso seja diminuída a representação de outro, integrante da mesma Coligação, mas respeitado o princípio da votação majoritária e a vontade do eleitor.”

O Tribunal Superior Eleitoral e sua respectiva jurisprudência deram guarida e consolidaram posições jurídicas que a autoridade impetrada, neste e em mandados de segurança similares, pode vir, perplexa, a ter de desconstituir.

Essa alteração importaria o confronto direto com o art. 4º, caput, da Lei nº 7.454/1985, que estabelece a regra de convocação de suplentes, e que vem sendo empregada há mais de duas décadas no País.

As vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral.

IV. DISPOSITIVO

Ante o exposto, denego a segurança. Julgo prejudicada a análise do pedido liminar.

Publique-se. Int..
Brasília, 1º de setembro de 2011.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
Documento assinado digitalmente
__________
MS 30391
DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por ROMANNA GIULIA CECCON LEANDRO REMOR em face do PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, Deputado Marco Maia.

Os argumentos exarados na peça vestibular podem ser assim sintetizados:

a) embora tenha alcançado a quarta posição na lista de suplentes da coligação partidária (PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB), a impetrante classificou-se como primeira suplente para o cargo de deputado federal se considerado o seu partido (DEM), isoladamente;

b) dois dos candidatos mais votados do DEM encontram-se na iminência de pedir licença do mandato para assumir as cargo político no governo do Estado de Santa Catarina;

c) “(...) esse col. Tribunal Supremo tem reiterado o entendimento de que '... o mandado eletivo pertence ao partido político, sendo que havendo vacância, o partido tem direito de manter a representação obtida nas eleições...'. Diante disso, independentemente da oedem (sic) de suplência estabelecida pela coligação que disputou o pleito de 2010, a iminente vaga que será aberta com a assunção de um dos dois Deputados Federais do Democratas deverão ser preenchidas pelo próprio partido”;

d) embora o STF tenha consolidado o entendimento acima exposto, o Presidente da Câmara dos Deputados “tem rechaçado a tese e declarado seu entendimento próprio de que a assunção ao cargo deve ser feita pela ordem de suplência estabelecida pela coligação (...)”;

e) requer seja deferida liminar a fim de garantir sua posse no cargo de deputado federal após deferida a licença ao titular eleito pelo DEM;

f) ao final, pede seja confirmada a medida liminar, garantindo-se direito líquido e certo da impetrante em ocupar o cargo enquanto perdurar o afastamento.

A impetrante juntou documentos por meio eletrônico, de entre eles cópia de certidão expedida pelo Tribunal Regional Eleitora de Santa Catarina em que consta ter a autora, nas eleições de 2010, obtido a quarta suplência para o cargo de Deputado Federal pela coligação PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB, sendo a candidata mais votada entre os suplente de seu partido, o DEM.

Despachei a inicial a fim de requisitar informações à autoridade impetrada e cientificar a AGU para se manifestar quanto ao interesse de ingressar na lide, reservada a análise do pedido liminar após o recebimento destas.

A autoridade impetrada apresentou informações nos termos:

“(...)

Cumpre informar, pois, que os Deputados Paulo Bornhausen e João Rodrigues, ambos do Democratas, eleitos pela coligação PMDB/DEM/PSL/PPS/PTC/PRP/PSDB, licenciaram-se do exercício do mandato em 1º de março de 2011, nos termos do art. 56, I, da Constituição federal, para assumirem o cargo de Ministro de Estado.

Tomaram posse então, o suplente Valdir Colatto (PPMDB/SC), em 1º de março de 2011, e Carmen Zanotto (PPS/SC), em 2 de março de 2011, nos termos da ordem de suplência da Coligação PMDB/DEM/PSL/PPS/PTC/PRP/PSDB, enviada a esta Casa pela Justiça Eleitoral de Santa Catarina (quadros anexos).”

A União, por meio de petição, requereu seu ingresso na lide. Em suas razões, sustenta (i) a ilegitimidade da impetrante para ajuizar o writ, pois a pretensão conflita com interesse do partido; (ii) que a matéria está positivada de forma clara e contrária à tese da impetrante, no sentido de haver distinção entre a coligação e os efeitos jurídicos dela decorrentes na relação entre os partidos coligados, seus suplentes e candidatos eleitos; (iii) que o caso em questão é distinto do evocado na inicial – MS 29.988/DF-MC.

É o relatório.

I. A MOLDURA FÁTICO-JURÍDICA DO OBJETO DA AÇÃO

O mandamus foi impetrado com o objetivo de se obter a posse no cargo de deputado federal frente vacância em virtude das licenças dos parlamentares PAULO BORNHAUSEN e JOÃO RODRIGUES, obtidas em 1º de março de 2011.

A pretensão da autora está fundamentada na alegação de que o mandato pertence ao partido político pelo qual concorreu e foi eleito o candidato, o que, em tese, geraria direito líquido e certo ao primeiro suplente do mesmo partido a ocupar eventual vaga surgida no curso do período em que deveria ser exercido o mandato eletivo.

II. A JURISPRUDÊNCIA DO STF ACERCA DO TEMA

Sobre o tema, quando do julgamento do MS nº 30.260/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, sessão plenária de 27/4/2011, acompanhei a maioria, formada no sentido de denegar a segurança, nos termos do voto da Ministra Relatora. Veja-se o que publicado no Informativo STF nº 624:

“O afastamento temporário de deputados federais deve ser suprido pela convocação dos suplentes mais votados da coligação, e não daqueles que pertençam aos partidos, aos quais filiados os parlamentares licenciados, que compõem a coligação, de acordo com a ordem de suplência indicada pela Justiça Eleitoral. Essa a conclusão do Plenário ao denegar, por maioria, mandados de segurança em que discutida a titularidade dessa vaga, se do partido do parlamentar licenciado ou da coligação partidária. Na espécie, os impetrantes, em virtude de serem os primeiros suplentes dos partidos políticos aos quais vinculados os deputados federais licenciados, alegavam possuir direito líquido e certo ao preenchimento das vagas. De início, indeferiu-se a admissão de amicus curiae ao fundamento de se tratar de mandado de segurança, em que envolvido direito personalíssimo. Em seguida, rejeitaram-se as preliminares de ilegitimidade ativa dos impetrantes e de perda de objeto da ação. Reputou-se demonstrada a existência de utilidade ou de interesse na impetração do writ, tendo em conta que o interesse de agir, na sede eleita, evidenciar-se-ia quando o autor da ação precisaria dela se valer para alcançar a sua pretensão jurídica, obstada pela autoridade apontada como coatora. Ademais, quanto à perda de objeto da ação pela impetração preventiva do mandamus e a circunstância de já haver ocorrido a efetivação do ato, afirmou-se que isso robusteceria a necessidade de julgamento do feito para o exame de eventual afronta a direito dos impetrantes.

No mérito, denegou-se a ordem ante a ausência de direito líquido e certo dos impetrantes e, por conseguinte, determinou-se que fosse mantida a seqüência de sucessão estabelecida pela Justiça Eleitoral relativamente aos candidatos eleitos e aos suplentes das coligações. Enfatizou-se que estas seriam instituições jurídicas autônomas — distintas dos partidos que a compõem e a eles sobrepondo-se temporariamente — com previsão constitucional e com capacidade jurídica para representar o todo, inclusive judicialmente. Aduziu-se, nessa perspectiva, que o § 1º do art. 6º da Lei 9.504/97 equipararia essa instituição aos partidos políticos — sobre ela incidindo os preceitos do art. 17 da CF — e lhe atribuiria, ainda que por determinado tempo, prerrogativas e obrigações partidárias, tornando-a apta a lançar candidatos às eleições. Desse modo, apontou-se que a coligação passaria a funcionar, até o fim das eleições, como um superpartido ou uma superlegenda, haja vista que resultaria da união de esforços e da combinação de ideologias e de projetos que se fundiriam na campanha para potencializar a competitividade dos partidos na luta eleitoral — especialmente dos pequenos — e, portanto, poderia ser considerada uma instituição que representaria a conjugação indissociável das agremiações para os efeitos específicos eleitorais na disputa e nas conseqüências que essa aliança traria. Asseverou-se que o reconhecimento da coligação como uma instituição partidária titular de direitos, atuando autonomamente no lugar de cada partido no período de sua composição, asseguraria a harmonia do sistema de eleições proporcionais, prestigiaria a soberania popular e, em última instância, propiciaria a estabilidade das alianças firmadas durante a campanha eleitoral.

Realçou-se que essa instituição criada pela fusão temporária de algumas agremiações formaria quociente partidário próprio. Destacou-se, também, que a figura jurídica nascida com a coalizão transitória, estabelecida desde as convenções partidárias, não findaria seus efeitos no dia do pleito ou, menos ainda, os apagaria de sua existência quando esgotada a sua finalidade inicial. Ressaltou-se, no ponto, que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE admite a atuação das coligações após a apuração do resultado das eleições, a exemplo do reconhecimento de sua legitimidade para pedir recontagem de votos e para ajuizar ação de impugnação de mandato. Frisou-se, ainda, que a suplência ficaria estabelecida no momento da proclamação dos resultados, com a definição dos candidatos eleitos, conforme o cálculo dos quocientes das coligações, e que não poderia haver mudança na regra do jogo após as eleições, no que concerne aos suplentes, de modo a desvirtuar a razão de ser das coligações. Enfatizou-se, não obstante, as reiteradas práticas da Justiça Eleitoral por todo país, no sentido de que o resultado das eleições levaria em conta os quocientes das coligações e dos partidos, quando estes tiverem atuado isoladamente.

Por outro lado, observou-se que a situação em apreço não guardaria relação de pertinência com os precedentes invocados sobre a temática da infidelidade partidária como causa de perda do mandato parlamentar (MS 26602/DF, DJe de 17.10.2008; MS 26603/DF, DJe de 19.12.2008 e MS 26604/DF, DJe de 3.10.2008). Apesar disso, ao distinguir que a presente causa diria respeito à sucessão de cargos vagos no parlamento, salientou-se não haver óbice para que as premissas e as soluções daqueles casos pudessem ser adotadas no tocante às coligações, já que se coligar seria uma escolha autônoma do partido. Consignou-se que, embora esta se exaurisse após as eleições, os efeitos e os resultados por ela alcançados não findariam com o seu termo formal, projetando-se tanto na definição da ordem de ocupação das vagas de titulares e suplentes, definidas a partir do quociente da coligação, quanto no próprio exercício dos mandatos, abrangendo toda a legislatura. Ademais, registrou-se que o princípio da segurança jurídica garantiria e resguardaria o ato da diplomação, que qualificaria o candidato eleito, titular ou suplente, habilitando-o e legitimando-o para o exercício do cargo parlamentar, obtido a partir dos votos atribuídos à legenda dos partidos ou à superlegenda da coligação de partidos pelos quais tivesse concorrido. Assim, a diplomação certificaria o cumprimento do devido processo eleitoral e por ela se consubstanciaria o ato jurídico aperfeiçoado segundo as normas vigentes e pelo qual a Justiça Eleitoral declararia os titulares e os suplentes habilitados para o exercício do mandato eletivo, na ordem por ela afirmada. Acrescentou-se, outrossim, que a problemática, no Brasil, concernente às coligações estaria vinculada à falta de ideologia nos partidos políticos, que se uniriam e se desligariam de acordo com as conveniências. O Min. Gilmar Mendes entendeu que a situação de coligação estaria em processo de inconstitucionalidade, em decorrência da escolha feita pela fidelidade partidária.”

O entendimento desta Corte, portanto, firmou-se no sentido de ser mantida a sequência de sucessão parlamentar expressa nos diplomas exarados pela Justiça Eleitoral após a proclamação do resultado apurado nas urnas, de acordo com a vontade popular e a normas jurídicas vigentes no ordenamento Pátrio.

Na oportunidade, ainda, foi expressamente autorizado aos Ministros decidirem monocraticamente e de forma definitiva casos idênticos.

III. O CASO DOS AUTOS

Transcrevo, em parte, os argumentos exarados pela autora na peça vestibular, a fim de bem delinear a matéria em debate nos autos:

“(...)

A impetrante concorreu ao cargo de deputada federal pelo Estado de Santa Catarina nas eleições de 2010. Por ter sufragado 59.672 (cinquenta e nove mil e sescentos (sic) e setenta e dois) votos, restou classificada como a primeira suplente de seu partido, o Democratas – DEM, e a quarta mais votada da coligação formada pelos partidos PMDB/PSL/PSC/PPS/DEM/PTC/PRP/PSDB.

(...)

Diante disso, a Impetrante ingressa com o presente pedido, pois na linha do quanto tem decidido esse eg. Tribunal – conforme será espedido a seguir -, ela deverá ser investida no cargo por se posicionar em primeiro lugar na linha sucessória do Democratas – DEM.”

Está claro, portanto, que o caso em questão apresenta identidade com a situação colocada em discussão no MS nº 30260/DF, razão pela qual passo a decidir monocraticamente o mandamus.

Em consonância com voto escrito que elaborei quando do julgamento do aludido paradigma, entendo que a solução da controvérsia está no reconhecimento da existência de situação jurídica consolidada, insusceptível de reversão por mudança de entendimento pretoriano ex post facto.

O processo sufrágico organizou-se com base em atos administrativos e judiciais praticados no âmbito da Justiça Eleitoral. O suplente foi efetivamente diplomado por aquela Justiça especializada, com base em critérios e quocientes ali fixados. Não pode o Supremo Tribunal Federal reverter esse status quo, que se reveste, a depender do tipo de proteção magna incidente, do caráter de ato jurídico perfeito ou de coisa julgada.

A Resolução TSE nº 19.319 é uma prova inequívoca desse estado de coisas, porquanto ali se definiu que “ocorrendo vaga, será convocado o suplente, na ordem rigorosa da votação nominal e de acordo com sua classificação (art. 50, par. Único, Resolução nº 13.266/86), passando a exercer o mandato sob a legenda do Partido no qual estiver filiado, mesmo que com isso seja diminuída a representação de outro, integrante da mesma Coligação, mas respeitado o princípio da votação majoritária e a vontade do eleitor.”

O Tribunal Superior Eleitoral e sua respectiva jurisprudência deram guarida e consolidaram posições jurídicas que a autoridade impetrada, neste e em mandados de segurança similares, pode vir, perplexa, a ter de desconstituir.

E essa alteração importaria o confronto direto com o art. 4º, caput, da Lei nº 7.454/1985, que estabelece a regra de convocação de suplentes, e que vem sendo empregada há mais de duas décadas no País.

As vagas pertencem às coligações eleitorais e hão de ser preenchidas respeitando-se a ordem das listas apresentadas pelo conjunto dos partidos que disputaram o pleito eleitoral.

IV. DISPOSITIVO

Ante o exposto, denego a segurança. Julgo prejudicada a análise do pedido liminar.

Publique-se. Int..
Brasília, 1º de setembro de 2011.
MINISTRO DIAS TOFFOLI
Relator
DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Residir fora do distrito da culpa não justifica manutenção de prisão preventiva




O fato de réu condenado em primeiro grau residir fora do distrito da culpa não é motivo, por si só, para justificar a manutenção de sua prisão preventiva.

Com este entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta terça-feira (13), por unanimidade, liminar concedida em julho deste ano pelo ministro Celso de Mello, no  Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 108588, a V.J.M. e V.G.B., condenados pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Manaus a três anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal – CP).

Por ocasião da prolação da sentença condenatória, o juiz de primeiro grau manteve a prisão preventiva de ambos, alegando garantia da ordem pública, porém em caráter genérico sem a devida fundamentação. Alegou, ainda, risco de eles se evadirem da cidade de Manaus, já que nenhum deles lá reside (eles têm residência no Paraná) e que sua folha mostra peregrinação por muitos locais do país.

Decisão

Ao ratificar a decisão contida na liminar concedida em julho, o relator do processo, ministro Celso de Mello, lembrou que a própria Segunda Turma já firmou entendimento no sentido de que não residir no distrito da culpa não é motivo, por si só, para tolher o direito do condenado de apelar em liberdade, sob pena de se praticar discriminação de origem regional.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Ricardo Lewandowski ponderou, ademais, que os condenados foram presos em flagrante no início de 2010 e, portanto, já cumpriram quase dois anos de prisão, o que já lhes dá o direito ao regime prisional aberto.

Ao também acompanhar o voto do relator, o presidente da Turma, ministro Carlos Ayres Britto, observou que o ministro Celso de Mello aplicou, na perspectiva do direito penal, o disposto no inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal (CF), que relaciona, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O relator confirmou essa interpretação.

Processos relacionados
RHC 108588


Fonte: Portal STF
Terça-feira, 13 de setembro de 2011

Direito à saúde: Presidente do STF mantém decisão que garante medicamentos para portadores de doença rara



O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, negou seguimento a pedido apresentado pelo Estado do Paraná, que pretendia suspender decisão a qual garantiu o fornecimento de medicamentos para dois irmãos portadores de Epidermólise Bolhosa Distrófica. Com a decisão do STF, fica mantida sentença que obrigou o governo estadual a fornecer os insumos necessários para o tratamento da doença, considerada rara, grave e incurável.

O ministro citou precedentes da Corte (AgRs nas STA 244, 178 e 175) envolvendo questões relativas ao direito à saúde, em que ficou estabelecido que as circunstâncias específicas de cada caso são “preponderantes e decisivas para a solução da controvérsia”.

Nesse sentido, avaliou ser “evidente que os pacientes necessitam do uso diário e contínuo dos insumos e medicamentos pleiteados, de modo a diminuir o sofrimento intenso decorrente das características próprias da patologia, bem como da necessidade de trocas diárias dos curativos”. Segundo Peluso, relatórios técnicos incluídos no processo indicam que a doença provoca outras enfermidades, como fusão e reabsorção dos dedos, estreitamento do trato digestivo e ausência de pele. O tratamento anual, por paciente, tem custo estimado em R$ 1 milhão, conforme informou o Estado do Paraná.

“A suspensão dos efeitos da decisão poderia causar situação extremamente mais grave (sofrimento contínuo e diário, com redução da qualidade e expectativa de vida dos pacientes) do que aquela que se pretende combater”.

O presidente do STF ressaltou ainda que, como os portadores da doença têm 14 e 19 anos, devem ser observados no caso os princípios de proteção à infância e à juventude, previstos no artigo 227 da Constituição Federal.

STA

A Suspensão de Tutela Antecipada (STA), classe processual apresentada pelo Estado do Paraná, é o meio pelo qual a parte busca suspender a execução de decisões proferidas em única ou última instância, por tribunais locais ou federais, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. O julgamento desses pedidos no STF cabe ao presidente da Corte.

Terça-feira, 13 de setembro de 2011.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Soberania nacional, tema da entrevista do programa "Saiba Mais" com o ex-Ministro do STF, Francisco Rezek.

Ação contra proibição de advocacia por servidores do MP é julgada improcedente

Fonte: Portal Migalhas


O Órgão Especial do TJ/RS julgou improcedente a ação proposta pela APROJUS - Associação dos Servidores do Ministério Público, contra a vigência da lei Estadual 12.856/08, que proíbe o exercício da advocacia aos ocupantes de cargos dos Quadros de Pessoal de Provimento Efetivo e de Cargos em Comissão e Funções Gratificadas da Procuradoria-Geral de Justiça. A decisão é de ontem, 12.

Argumentou a APROJUS que a lei que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos seria de iniciativa privativa do governador do Estado. No caso, a proposta surgiu da Procuradoria-Geral de Justiça.

Para o desembargador Gênero José Baroni Borges, relator da matéria perante o Órgão Especial, com todas as atribuições que a CF/88 confere ao MP, em homenagem à autonomia, independência e imprescindibilidade, seria verdadeiro 'non sense' ficasse a depender de iniciativa do Poder Executivo lei que dispusesse sobre seus serviços ou, mais propriamente, sobre o regime jurídico de seus servidores.

Lembrou o magistrado que a iniciativa da lei surgiu nos termos da resolução 27/09, do CNMP, que veda o exercício da advocacia aos servidores efetivos, comissionados, requisitados ou colocados à disposição do MP dos Estados e da União. Citou ainda o magistrado, o indeferimento de liminar no âmbito do STF solicitada para suspender os efeitos da resolução.

Os demais integrantes do Órgão Especial acompanharam o voto do relator.

•Processo : ADIn 70037051018 - clique aqui.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

STF decide que Estatuto da Advocacia supera CPP sem prisão especial




Brasília, 06/09/2011

As normas descritas no Estatuto da Advocacia sobre prisão especial devem se sobrepor ao Código de Processo Penal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi aplicada pelo ministro Celso de Mello, ao conceder liminar em Habeas Corpus a advogado que estava detido em prisão sem sala de Estado-Maior. Foi determinada a transferência para prisão domiciliar.

O entendimento do ministro supera obstáculos da Súmula 691 para conceder liminar em Habeas Corpus a advogado detido em prisão normal. Segundo ele, a situação do advogado descrevia os pressupostos para a superação da súmula. O dispositivo proíbe a Suprema Corte de conceder HC quando o mérito do pedido ainda não tiver sido analisado por tribunal superior.

De acordo com Celso de Mello, o pressuposto para a transferência do advogado é a "situação configuradora de abuso de poder ou manifesta ilegalidade" em que ele estava preso. Ele aplicou ao caso jurisprudência formada pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127.

Naquela ocasião, a corte entendeu que o artigo 7º da Lei 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia, supera a Lei 10.258/2001 - Código de Processo Penal, que trata da prisão especial. Segundo o entendimento da corte, quando há conflito entre normas aparentemente incompatíveis, deve prevalecer o diploma estatal, por critério de especialidade. Sobrepõe-se, então, o Estatuto da Advocacia, "que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)", afirmou o ministro.

Pela decisão do ministro Celso de Mello, caberá ao juiz da vara de origem, em São Paulo, determinar as normas de vigilância do advogado em prisão domiciliar. O juiz também está autorizado a revogar o benefício "se e quando houver" abusos por parte do advogado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

HC 109.213

Fonte: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=22609

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resenha

O MODELO PARTIDÁRIO BRASILEIRO E A IMPORTÂNCIA DO PODER LEGISLATIVO NA CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO: a visão do doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho na obra “Sete vezes democracia”.

Giselle Borges Alves
Grupo de pesquisa em Direito Público
Faculdade INESC/CNEC - Unaí/MG
Publicação: 01.08.2011.



“A influência real do Parlamento decorre de seu prestígio. Esta não lhe advirá dos textos constitucionais que não tem energia própria. Não lhe advirá das armas, com que não conta. Somente poderá vir da confiança e do apoio do povo.”    
             (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1977, p. 101)

INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta inicialmente uma visão pormenorizada sobre os partidos políticos na democracia brasileira sob a visão do autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, exposta no capítulo III da obra “Sete vezes Democracia” publicada em 1977. As definições estão concentradas tanto da ciência jurídica como da ciência política acerca do panorama do sistema político-partidário brasileiro até meados da década de 1970, comparando-a com a evolução do pensamento sobre a participação política do cidadão no processo de construção do Poder Legislativo, apto a desenvolver-se de acordo com o modelo do Estado Constitucional, conforme revelado no capítulo IV da mesma obra.

1. A ANÁLISE SOBRE O PARTIDO POLÍTICO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA
Manoel Gonçalves Ferreira Filho inicia a abordagem fazendo um paralelo sobre a Democracia e o partido político ressaltando as correntes ideológicas que permearam a história e que divergem quanto à importância deste último para a construção de um Estado democrático.
A primeira corrente, surgida nas ideias liberais do século XVIII, não era simpática com os partidos políticos, condenando-os. Entre os adeptos desta posição na América, estava o ex-presidente dos Estados Unidos, George Washington, para quem os partidos constituem uma ameaça aos Estados, pois dividem assembléias e conselhos, enfraquecem a administração pública, instigam animosidade, desconfiança, agitações, paixões e controvérsias. Na França, Rousseau foi o maior expoente. O pensador alertava sobre a “proscrição dos partidos, dos corpos intermediários, de todos os grupos que interpõem entre o indivíduo e o Estado”. Pela idéia apregoada por Rousseau, os partidos desviam os cidadãos do interesse geral para o interesse particular. Retiram a pureza da vontade geral.
A segunda corrente afirma que a Democracia está apesar dos partidos, sendo estes consagrados como um mal necessário em virtude das eleições. Para os adeptos desta corrente os partidos são apenas toleráveis como um meio de expansão da própria Democracia e, exatamente por isso, o Direito traçou proibições aos partidos antidemocráticos e à constituição de milícias partidárias.
Ferreira Filho (1977, p.59) cita as palavras de Maurice Duverger para tratar da ambiguidade tolerada por esta corrente quanto à essencialidade dos partidos políticos para o fortalecimento e expansão da Democracia:
Admitia-se com Duverger que ‘nas democracias os partidos são ambivalentes: de um lado, servem para organizá-las sem que nada possa substituí-los nesse papel; de outro, contêm em si mesmos um certo número de venenos capazes de destruí-las ou, ao menos, de deformá-las.
A terceira corrente traz os partidos como essenciais à democracia e surge como resultado da crítica à democracia representativa implantada na Inglaterra através do governo por parlamentares, a qual também gerou muitas críticas de Rousseau. Segundo Ferreira Filho (1977, p. 59-60) na democracia pelos partidos busca-se o “governo do povo e pelo povo e para o povo”. Tal não acontecia no sistema da democracia representativa, pois “o povo não se governa por meio de representantes, é governado por estes, conforme lhes aprouver”.
Na apresentação do modelo da democracia partidária, o autor afirma que se os partidos políticos estabelecerem um programa de governo e selecionarem candidatos comprometidos com esse programa, será possível transformar a eleição, de mera escolha de governantes, em seleção também de uma política de governo. Assim o povo escolheria um representante e a política a que este se devotará. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 60)
Após a análise das correntes que averiguam a importância ou não dos partidos políticos na construção do Estado democrático, Ferreira Filho (1977) traça um esboço histórico do partido político no direito constitucional brasileiro, iniciando com a Constituição de 1946, onde pela primeira vez ocorreu a normatização dos partidos políticos, trazendo-os como imprescindíveis à democracia, porém consciente dos perigos que estes podem trazer às instituições. Na época verificou-se a necessidade da pluralidade de partidos e o Código Eleitoral concedeu a eles o monopólio das candidaturas, assim ninguém podia postular eleição sem a filiação partidária. Mas frise-se que ao mesmo tempo em que foi registrada a necessidade da pluralidade de partidos, o registro do Partido Comunista foi cassado, pois de acordo com a Constituição Federação de 1946, este foi considerado antidemocrático.
Com a necessidade da pluralidade a abertura foi automática e múltiplos eram os partidos na época da eclosão da Revolução de Março. Mas apesar da quantidade não possuíam coerência, disciplina interna e muito menos bases sólidas, características que eram indispensáveis para a consolidação destes. Também não apresentavam grandes diferenças de programas e eram eminentemente personalistas, ou seja, se constituíam em torno de homens e lideranças e não de idéias.
O grande número de partidos levou a divisão do eleitorado e, consequentemente, ao alargamento das bases dos pequenos partidos. De acordo com Ferreira Filho (1977), Pompeu de Sousa usou para caracterizar este período a expressão “processo de pequenização” dado a ampliação do número de pequenos partidos pelo território nacional. O resultado deste processo foi o surgimento de contradição entre as alianças nacionais, estaduais e municipais, com uma verdadeira incoerência do sistema, que se evidenciava ainda mais com a “coalização de partidos” para disputas de eleições. Estas “coalizões” eram muito similares às atuais coligações partidárias.
Outra característica comum do sistema eleitoral na época era a ausência da disciplina partidária aliada à falta de fidelidade programática, o que poderia resultar numa multiplicação ainda maior de partidos políticos. Dentro dos partidos não havia ideais comuns, ao contrário, várias alas e correntes políticas se misturavam. Ferreira Filho (1977) destaca que Pompeu de Sousa criou a expressão “decomposição partidária” para nominar essa falta de coerência interna.
Entretanto a Lei 4.740/1965 trouxe a reforma tão esperada para o sistema partidário. Foi a primeira lei orgânica dos partidos políticos e, de acordo com o autor, trouxe em seu cerne cinco ideias mestras: 1º) o programa como o princípio vital do partido; 2º) o enrijecimento da disciplina interna, com fulcro na eliminação de dissidências e infidelidades; 3º) a tendência a privilegiar as estruturas democráticas das agremiações, dando maior importância as convenções e bases dos partidos políticos; 4º) o financiamento partidário no intuito de evitar corruptores; e 5º) a redução do número de partidos. Estava configurada uma remodelação dos partidos políticos brasileiros imposta de baixo para cima.
Era mister organizar diretórios municipais, a partir de um número mínimo de filiados, para depois estruturar os regionais e, afinal, o diretório nacional. Este, porém, somente se constituiria depois de organizados onze diretórios regionais (art. 16, §3º). (FERREIRA FILHO, 1977, p. 63)
Mas pouco tempo após o advento da Lei 4.740/1965, o Ato Institucional nº 02 extinguiu os partidos políticos, inviabilizando a renovação paulatina destas instituições. De acordo com Ferreira Filho (1977), o objetivo era a organização imediata de novos partidos observando a lei orgânica: “Partia-se do marco zero, mas com a vantagem de romper com o passado”. A consequência é que por muito tempo ficou o país sem partidos políticos e foram criadas na verdade duas organizações com atribuições partidárias, a ARENA e o MDB. Nas palavras do autor, o que era para ser provisório tornou-se duradouro. Desta forma, há que se questionar a verdadeira intenção que havia na extinção dos partidos políticos pelo AI-02, afinal estava instalado um regime de exceção onde a propagação do debate não era bem-vinda.
Com o advento da Constituição de 1967 foram estabelecidos os princípios para organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos. Entre os princípios temos (I) a pluralidade de partidos para um regime representativo e democrático; (II) a atribuição de personalidade jurídica; (III) a atuação permanente e sem vinculação com governos, entidades ou partidos estrangeiros; (IV) a fiscalização financeira; (V) a disciplina partidária; (VI) a atuação em âmbito nacional; (VII) o estabelecimento de um percentual de votos em um número mínimo de Estados tanto para a Câmara como para o Senado; e (VIII) a proibição de coligações partidárias. O principal objetivo do estabelecimento destes princípios foi proibir a multiplicação dos partidos políticos, mas conforme ressaltado pelo doutrinador, a Constituição de 1967 esqueceu que para conter esta multiplicação era necessário organizar o sistema eleitoral.
Um dos problemas do sistema eleitoral identificado pelo autor e, segundo ele, também reconhecido por Maurice Duverger na obra “Les Partis politiques”, era a eleição proporcional, uma vez que essa seria a principal geradora da multiplicidade de partidos independentes. (FERREIRA FILHO, 1977)
A Emenda Constitucional nº 01/1969, trouxe uma modificação e uma inovação ao diploma anterior. Como modificação estava a diminuição da percentagem exigida de votos para a criação dos partidos, com o objetivo de facilitar a criação destes. A inovação estava na implementação da fidelidade partidária. Na ótica de Ferreira Filho (1977) o parlamentar passou a ser visto como um “soldado do partido”, ocorrendo assim o rompimento com os princípios que regem o mandato representativo.
Em 1971 temos a edição da Lei 5.682, que logo ficou conhecida como a nova lei orgânica dos partidos políticos, mas não se afastou efetivamente das determinações da Emenda Constitucional nº 01 de 1969. Com o seu advento ocorre agora o fortalecimento do diretório em detrimento da convenção, inaugurando uma nova tendência. O controle partidário passa a ser de cima para baixo, na busca de uma centralização. (FERREIRA FILHO, 1977)
 
1.1. O Modelo Político Constitucional Brasileiro

Imperioso relembrar que a obra “Sete vezes Democracia” foi publicada antes da Constituição Brasileira de 1988, portanto os modelos apresentados pelo autor correspondem à Constituição 1967, vigente na época com as alterações da EC nº 01/69 e ao período do início da redemocratização brasileira, mas ainda em meio à repressão da ditadura militar.
Ao analisar a própria expressão “modelo político” o autor abraça duas vertentes:
Tanto pode designar as relações de fato que, num dado momento e lugar, existem entre os indivíduos, grupos e forças que controlam ou detêm poder – caso em que o modelo se espalha ou reconstitui o ser – como pode referir-se ao plano ou arranjo ideal pelo qual devem pautar-se essas relações para realização de determinados valores, caso em que o modelo se deseje modelar a realidade, mudando-a. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 68)
Desta forma o “modelo” pode representar o presente e o futuro, ou seja, o ser e o dever-ser. Já a expressão “modelo constitucional”, de acordo com Ferreira Filho (1977, p. 69), “significa o arranjo que deve pautar as relações políticas, segundo a Constituição. [...] Toda Constituição é um planejamento por que se pretende modelar a organização e a vida de um Estado”.
Na análise empreendida o autor afirma que o modelo constitucional brasileiro adotado era da democracia pelos partidos. Assim, o povo só poderia participar do governo através dos partidos políticos. Dentro deste propósito, Ferreira Filho (1977, p. 68) faz o seguinte questionamento no texto: “Mas de que modo emana do povo o poder?” E o próprio autor responde: “O poder resulta de eleições em que o povo vota não em homens e sim em partidos, como se viu acima. Vota em candidatos de partidos que devem fielmente seguir o programa desses partidos”. Para o doutrinador o poder do povo está no Legislativo.
A partir destas constatações realizadas ainda sob a égide da ditadura militar brasileira, é possível verificar que de lá para cá muita coisa mudou e que no decorrer dos últimos anos, já em pleno século XXI, o povo tem se identificado mais com os representantes do Poder Executivo e aumentado o descrédito com relação àqueles que realmente representam, segundo o autor, a vontade geral (ou deveriam representar), o Poder Legislativo.
A crescente apatia política e a perda de legitimidade das instituições relacionadas com a democracia representativa (parlamentos, partidos, governos) também foram observadas por Mauro Almeida Noleto em estudo empreendido sobre a participação da Justiça Eleitoral na construção da democracia brasileira, intitulado “Justiça e Democracia”. Para Noleto (2008), tanto a apatia como a perda de legitimidade pode levar a um novo tipo de caudilhismo e/ou democracias plebiscitárias demagógicas, sujeitas a toda sorte de manipulações ideológicas.
Noleto (2008) menciona, ainda, que Norberto Bobbio apontou grande contraste entre os contornos ideais da democracia definida pelos fundadores do pensamento político moderno e a experiência histórica de sua realização. Desde a idealização da democracia moderna que se opôs aos regimes políticos anteriores (clássico e medieval) até a democracia contemporânea, as transformações descumpriram suas promessas originais. Bobbio aponta seis dívidas da democracia contemporânea: (I) a sobrevivência do poder invisível, (II) a permanência das oligarquias, (III) a permanência de corpos intermediários, (IV) a revanche da representação dos interesses, (V) a participação interrompida e (VI) o cidadão não educado. Entretanto o filósofo afirma que todas essas promessas não cumpridas não são degenerações do conceito, mas adaptações históricas motivadas pelas imposições da prática política, com exceção de uma: a sobrevivência de um poder invisível.
De acordo com Noleto (2008), o filósofo Norberto Bobbio define o poder invisível como aquele que não pode vir a público e revelar suas decisões e seus procedimentos. A falta dessa promessa, ou seja, da transparência do poder, corrompe a democracia muito mais do que a presença de grupos oligárquicos disputando espaço ou do avanço da representação de interesses corporativos sobre o princípio da representatividade política universal.
Ao analisar a viabilidade do modelo da democracia pelos partidos, adotado constitucionalmente pelo Brasil, Ferreira Filho (1977, p. 70) faz o seguinte questionamento: “A democracia pelos partidos é um modelo viável?”.
Com base nas conclusões da Ciência Política o autor afirma que essa resposta não é pacífica e nem provável, uma vez que não há uma formação humana equânime. A diversidade entre os variados grupos faz com que muitos deles estejam equidistantes dos problemas uns dos outros, muitas vezes ignorando e outras nem tomando conhecimento destas reais dificuldades. Somente uma minoria consegue uma inter-relação com os problemas gerais, ou seja, um contato com todos os grupos.
Para Ferreira Filho (1977, p. 70) o modelo da democracia pelos partidos só é viável se for conhecido em seu cerne, e resume:
Está no cerne desse modelo a idéia de que o povo irá guiar-se em suas opções eleitorais pelo programa dos partidos. Sopesará estes programas, escolherá o melhor, ou o que lhe parecer melhor, ao mesmo tempo, elegendo candidatos que se comprometem a realizá-lo. Assim, escolherá os homens que vão governar e a política que será executada por esse governo.
Diante da falta de compreensão deste modelo, o autor destaca que os partidos preferem deixar os problemas reais e guiarem-se em torno de ideologias e princípios, ou seja, programas abstratos que pouco solucionam problemas concretos. Arremata com o posicionamento de Karl Loewenstein, que afirma que os partidos elaboram programas de modo a não ofender nenhum grupo ou favorecer abertamente a todos, acomodar amplamente qualquer interesse. Desta forma, as decisões políticas são tomadas da opinião pública.
Seguindo as indagações acerca do modelo político constitucional adotado, Ferreira Filho (1977, p. 71) pergunta: “O individualismo nacional se coaduna com a vivência partidária que exige o modelo?” Para responder a questão cita as palavras de Frei Vicente do Salvador, para quem o povo brasileiro não “é republico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. Ressalta com as palavras de Oliveira Viana, que mesmo as formas de solidariedade voluntária só aparecem em forma de “grandes entusiasmos coletivos” e todas as associações, não importa a espécie, possuem vida artificial e efêmera. A única solidariedade existente, segundo Oliveira Viana é a “solidariedade de clã”.
Disto resulta a pouca participação do brasileiro na vida partidária. A conseqüência é a deformação do sistema, com partidos oligárquicos, ou seja, representativos da dominação por pequenos grupos.
1.2. A necessidade da estruturação do partido político. 
Ferreira Filho (1977) distingue quatro tarefas dentro da missão do partido político na democracia brasileira: (I) a preparação política do povo; (II) a preparação dos candidatos; (III) a informação política; e (IV) a fixação do programa do partido.
Sobre a formação política o autor ressalta as idéias de Aristóteles e Montesquieu, resumindo-as na seguinte afirmação: “toda forma de governo presume uma determinada educação do povo”. E prossegue: “[...] Com efeito, os valores infundidos pela educação da juventude farão com que esse povo seja mais ou menos capaz de dar vida a determinadas instituições.” Para o doutrinador, os partidos devem ter o compromisso na difusão dos valores que inspiram a democracia, o apego à liberdade e à igualdade, o devotamento ao interesse geral e o espírito cívico, sendo estas algumas das tarefas do partido, mas não apenas sua. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 73-74)
Acerca da formação dos candidatos, Ferreira Filho afirma que esta é uma das funções mais importantes do partido político. O ponto de partida deve ser a escolha daqueles que tem vocação, acrescentando-lhes o conhecimento da política e dos problemas de governo. O partido político deve verdadeiramente buscar a seleção dos mais aptos, mas sem descuidar da responsabilidade perante os eleitores, ou seja, a fidelidade do candidato ao programa e ideais do partido, o plano preestabelecido de ação política.
O programa do partido político é outra das tarefas imprescindíveis a essas organizações, uma vez que sua definição é essencial ao modelo adotado pela Constituição brasileira, o modelo da democracia pelo partido. Sendo assim, o programa do partido político não pode converter-se em generalidades ou ser uma declaração ideológica, deve ser preciso e exequível, estabelecido por uma assessoria de especialistas. Ferreira Filho exemplifica citando o modelo dos programas dos partidos políticos alemães.
Ao tratar da informação política, o autor ressalta o papel do partido político em informar o seu programa e ser opositor aos demais quando for necessário, pressupondo a ligação permanente entre o eleitorado e o governo. O partido deve ser mecanismo de transmissão entre governantes e opinião pública, com “[...] a divulgação do programa próprio e a crítica ao alheio, e defesa da ação governamental ou sua análise a fundo. Com isso a opinião irá sendo paulatinamente formada e não apenas nas vésperas de eleição.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 75)
Ao tratar do financiamento partidário Ferreira Filho (1977, p. 76) é enfático ao declarar que o modelo da democracia pelos partidos pressupõe que o Estado mantenha-os através de dotações distribuídas sem condições políticas. Em todo o decorrer da obra, demonstra ser favorável ao financiamento público do partido para evitar “conveniências imediatistas, ao sabor dos interesses particulares dos doadores.”
Na visão do autor a autenticidade dos partidos só poderá ser realmente sentida na medida em que se busque o estímulo à vinculação dos partidos com os anseios da comunidade, destacando que o sistema eleitoral que adota a representação proporcional não contribui para que nasça esse liame que é necessário na democracia pelos partidos: “O eleito, cujos votos vieram de toda parte, não está verdadeiramente ligado a grupo algum, não representa senão algumas idéias gerais.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 76)
Mas afirma que a EC nº 01/69 abriu a possibilidade da adoção de um sistema misto que não exclui a proporcionalidade global, mas permite a eleição distrital, e consequentemente o fortalecimento da representação e do partido. Finaliza sua análise abordando a visão de que na eleição distrital o partido político seria mais autêntico entre os eleitores e eleitos, aperfeiçoando assim a Democracia.
 
2. A ANÁLISE DO PODER LEGISLATIVO NA DEMOCRACIA

A fórmula de Montesquieu foi ressaltada por Ferreira Filho (1977, p. 81):
A existência de três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos, era, portanto, aos olhos dos iniciadores da Democracia moderna, instrumento necessário para um Estado que tivesse como objeto e razão de ser a liberdade dos cidadãos.
Para o autor, o Legislativo é o poder que tem origem tipicamente democrática, através da representação popular e da manifestação da vontade geral; sua égide está em ser o “guardião da liberdade” e a “voz da Democracia”. Mas apesar disso, os cidadãos que outorgam essa competência a estes representantes são os mesmos que não crêem na firmeza e no potencial deste poder. Contata-se que pouco mudou séculos depois da publicação da obra do autor. As palavras de Ferreira Filho (1977, p. 82) ainda soam muito atuais em pleno século XXI: “[...] O Parlamento é vítima de vilipêndio e escárnio, esvaziam-se em suas funções, pretende-se construir sem ele a Democracia. Não falte quem o considere inútil, dispensável, mero reduto da loquacidade improdutiva.”

2.1. O estudo empreendido sobre a ascensão, o apogeu e a decadência do Poder Parlamentar.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho associa como raiz do Legislativo atual as assembléias medievais, que surgiram da necessidade do governo de contar com a colaboração dos governados:
Os príncipes medievais se aperceberam de que, reunindo em torno de si as figuras mais destacadas e de maior influencia no país, podiam fazer-lhes conhecer as necessidades do Estado e, demonstrando-lhes a urgência das medidas em que eram chamados a consentir, levá-los a obter a colaboração ativa dos governados nos empreendimentos de interesse comum. [...] (FERREIRA FILHO, 1977, p. 83)
As assembléias medievais também se estabeleceram como meio de segurança para os governados contra o arbítrio dos príncipes. A mais importante delas foi a assembléia inglesa, que funcionava de maneira permanente, consequência do poder financeiro e político de deliberação e fiscalização, que em si resultou no poder legislativo do Parlamento inglês, sendo este modelo de democracia representativa a base inspiradora de Montesquieu e outros estudiosos. (FERREIRA FILHO, 1977)
Ao tratar da separação dos poderes, Ferreira Filho (1977, p. 86-87) afirma:
[...] convém dividir o poder para que os poderes surgidos desse fracionamento sirvam de limites, de freios e de contrapesos uns para os outros.
[...]
No modelo de Montesquieu, o elemento democrático teria lugar no Poder Legislativo. Este, é bem verdade, se estruturaria em duas câmaras, uma das quais destinada a representar a aristocracia, a nobreza, mas na outra estaria a representação popular, encontraria expressão o interesse comum. Entretanto, não concebia o mestre a representação popular como simples e mero porta-voz de reivindicações populares. Pretendia que os representantes fossem chamados a decidir segundo o interesse geral, pairando acima da luta de interesses particulares.
Diante destas observações é possível perceber que o modelo do Poder Legislativo elaborado por Montesquieu estruturado em duas câmaras, é o mesmo que está estruturado o Legislativo brasileiro atual. A primeira câmara destinada a representar a aristocracia, a nobreza, pode ser associada à realizada hoje pelo Senado Federal diante da representação dos Estados Federados; já a câmara destinada a representação popular ainda hoje é assim concebida, que no Brasil é representada pela Câmara dos Deputados e tal qual concebido inicialmente por Montesquieu, a Constituição Federal de 1988 trouxe o dever destes representantes do povo como o primado do interesse geral, o bem da coletividade.[1]
A partir do momento que a norma suprema de uma nação, no caso a brasileira, estabelece prerrogativas tão importantes ao Parlamento, entre elas a fiscalização das ações do Poder Executivo, o processo e julgamento contra o Presidente da República, a intervenção direta através da elaboração de leis nos setores sociais, econômicos, orçamentários, de comunicação e até mesmo dispor sobre o efetivo das Forças Armadas, entre outras matérias, percebe-se a importância dos representantes do povo e dos Estados Federados para a manutenção de um Estado Nacional voltado para a preponderância dos ideais que devem nortear qualquer nação que vise o desenvolvimento e, sobretudo, a boa qualidade da vida em sociedade. 
Ferreira Filho (1977, p. 88) destaca que o século XIX foi marcado essencialmente pelo apogeu do Parlamento inglês, onde o modelo de Montesquieu da separação dos poderes foi preponderante. O Parlamento era onde “efetivamente se concentrava o poder emanado do povo. A democracia se confundia com a soberania parlamentar. A vontade do povo era a vontade do Parlamento”. Este apogeu saiu dos limites ingleses e se espalhou pelo mundo, influenciando até nações presidencialistas como os Estados Unidos da América.
A professora Júlia Maurmann Ximenes (2008), em estudo sobre o conteúdo do Estado Democrático de Direito, traz a posição de um dos principais filósofos políticos do liberalismo, John Locke, sobre os direitos naturais inalienáveis do homem, onde o Estado é visto como Estado-Polícia devendo vigiar a aplicação das liberdades e igualdades formais (positivadas). Neste sentido, o filósofo subordinava todos os poderes ao Poder Legislativo e priorizava o princípio da legalidade. Assim não haveria autoridade se esta não estivesse associada ao manto da lei e do Poder Legislativo.
Entretanto, o Parlamento foi da ascensão ao declínio. O Legislativo tornou-se onipotente, passando a negar a própria separação dos poderes e, segundo o autor, não faltou quem se lembrasse das palavras proféticas de Montesquieu: “Se não há qualquer freio para deter os empreendimentos do corpo legislativo, este será despótico; pois, como poderá atribuir-se todo o poder que imaginar, destruirá todos os demais poderes”. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário do previsto por Montesquieu. Destaca Ferreira Filho (1977) que o Legislativo, que passou a negar a separação dos poderes, conforme dito acima, declinou devido ao acúmulo de funções, o que paralisou suas atividades.
Aponta, ainda, que a crise do parlamento se deu pela ascensão das massas como força política. Antes o sufrágio era restrito aos que possuíam um mínimo de riqueza, e com o advento do sufrágio universal surge um embate no sistema do Parlamento, cai em declínio o predomínio das ideias burguesas. O autor justifica essa afirmação demonstrando que com um Poder Legislativo cindido entre os parlamentares burgueses e os parlamentares representantes do proletariado, o trabalho parlamentar tornou-se lento. As massas consequentemente tornaram-se maioria pela expressividade inclusive dos votos e suscitaram a intervenção do Estado no domínio econômico e social para a melhoria das condições de vida. Estava assim sendo rompido o liberalismo.  (FERREIRA FILHO, 1977)
No entanto o Legislativo não estava aparelhado o suficiente para a implantação do intervencionismo, faltavam técnicos capazes e somaram-se a isso, as leis como ferramentas pouco adequadas para a direção da economia. Desta forma um Legislativo lento - uma vez que as leis deveriam seguir todo o procedimento de aprovação - e incapaz de atender os anseios imediatos da sociedade que representavam, foram as principais características que fizeram com que o Parlamento perdesse prestígio. O Legislativo se viu estagnado diante do crescimento do Estado e principalmente dos problemas que chegavam junto com o desenvolvimento. [2]
Diante da falta de flexibilidade da atuação legislativa foi inevitável a ascensão de outro poder para atender as pretensões populares. Ocupou importante espaço o Poder Executivo no comando do domínio econômico e social diante da crise do Parlamento. Como o chefe do Executivo representa a maioria parlamentar de um partido, foi natural a subordinação do Legislativo, e aquele passou a sujeitar este a sua vontade.
Tornou-se então o Executivo ‘o centro do poder real nos Estados modernos’ na observação de Duverger. Em seu benefício, é o Legislativo desapossado de inúmeras funções, a própria elaboração das leis lhe escapa das mãos, cada vez mais freqüentes os decretos-leis por que o Executivo efetivamente legisla. [...] (FERREIRA FILHO, 1977, p.92)
Mas segundo o pensamento de Ferreira Filho (1977), a supremacia do Executivo no mundo contemporâneo não é imutável, assim como a existência do Legislativo atuante e forte não é dispensável.

2.2 O exame do papel do Poder Legislativo no Estado contemporâneo.

Segundo Ferreira Filho (1977), a divisão dos poderes consagrava apenas a liberdade dos cidadãos e não a prosperidade e bem-estar como finalidade do Estado. Cada poder apenas exerceria as funções que lhe são inerentes. Mas o Estado contemporâneo não permite este pensamento simplista, deve assegurar a felicidade e prosperidade geral.
Entre as exigências do desenvolvimento está o crescimento econômico do Estado, que repercute na seguinte observação de Ferreira Filho (1977, p. 95):
O processo de modernização excita necessariamente reivindicações e inconformismos, gera expectativas e ambição que não podem ter satisfação pronta. Contra elas exatamente pesa a necessidade de investimentos imensos, indispensáveis para a sustentação ou aceleração do desenvolvimento, investimentos esses que presumem acumulação de capital. Ora, esta acumulação repercute em restrição do consumo, força redistribuição da riqueza, numa palavra, gera insatisfação.
Neste contexto emerge a importância da atuação do Poder Executivo para o desenvolvimento do Estado, assevera o autor que este possui a função da promoção do bem-estar através de decisões prontas, firmes e flexíveis que reclamam a direção da economia. A agilidade do Executivo para atender aos reclamos do desenvolvimento acelerado ganha notoriedade, tendo em vista que o Legislativo não pode atender a problemas tão imediatos. A elaboração de leis reclama maior cautela, principalmente quando se trata da direção econômica do Estado, assim estabelece vantagem a flexibilidade Poder Executivo.
[...] Somente ele pode pilotar as forças produtivas no dia-a-dia, conduzindo-as para o atendimento do interesse geral por entre os problemas e dificuldades que a cada momento se levantam.
[...]
Por outro lado como nas democracias atuais, estruturadas em partidos, nele se concentra a cúpula destes, forçoso é aceitar que a ele se atribua a orientação geral do Governo, o planejamento de sua ação. Com efeito, se se aceita que o povo há de fixar os objetivos, optando por um programa de governo estabelecido por um partido, não cabe recusar que esse programa seja transformado em plano de governo pela direção do partido majoritário. Ora, em qualquer dos regimes políticos da atualidade, o núcleo dirigente do partido ou coligação majoritária constitui o Executivo. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 95-96).
Todavia é necessário ressaltar que o Executivo pode ser a mola mestra do Estado, mas tal impulso não pode ser realizado sem a participação do Legislativo. O Parlamento, segundo Ferreira Filho (1977, p. 97) é onde estão os representantes do povo incumbidos de uma dupla missão: “transmitir a opinião dos governados sobre os problemas em debate, tomar a decisão mais condizente com o interesse geral e com a Justiça, ouvidas e ponderadas as razões de todos”.
O autor também destaca a importância do debate parlamentar uma vez que o Legislativo deve contribuir para o discussões entre o plano de governo e as proposições que o implementam. É o povo, mediante seus representantes, influenciando nas decisões e políticas de governo.
[...] o debate parlamentar é um dos meios pelos quais se difunde entre o povo a informação sobre os grandes problemas políticos. [...] Assume este, destarte, um inegável caráter educativo, pois no contraste dos argumentos, no confronto dos aplausos e da crítica, ganha o cidadão conhecimento matizado e lapidado do por que e do para que das medidas governamentais, dos mais variados aspectos de todos os problemas que a Nação há de enfrentar. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 97)
O Poder Legislativo, de acordo com o doutrinador, é o poder mais fácil de verificar a fidelidade e respeito à opção popular, dos atos e omissões que podem prejudicar o interesse comum perpetrados pelo Poder Executivo. Aqui está o papel do parlamento no controle e oposição ao governo estabelecido contribuindo para o bom andamento dos negócios públicos. Portanto, o Legislativo contribui para o debate e controle da política governamental, mas sem deixar sua missão precípua: a elaboração das leis. Segundo Ferreira Filho (1977), esta é a “tarefa mais nobre” do Parlamento.
Ao tratar do poder financeiro do parlamento, o autor, afirma que este se encontra na criação de tributos e na fixação do orçamento e tais competências não podem ser deixadas ao bel prazer do Executivo. O Legislativo é quem deve criar e fiscalizar a aplicação dos tributos e dos recursos orçamentários principalmente na República onde os representantes são temporários e não donos do poder. A fiscalização deve ser realizada em razão dos vultosos recursos manipulados pelo Estado e seus múltiplos empreendimentos, o que também faz com se multipliquem as possibilidades de mau uso dessas somas.
Para o doutrinador, a autenticidade da representação do povo pelos parlamentares depende de dois fatores: o sistema eleitoral e a estrutura partidária. O primeiro não pode afastar o eleitor do eleito; o contrato entre eles deve ser permanente. Destaque merece a opinião do autor sobre o sufrágio distrital, para quem o corpo eleitoral circunscrito e determinado ouve com mais atenção as críticas e solicitações. Pelo segundo fator – a estrutura partidária – os partidos não podem ser oligárquicos. Para o bom andamento do Estado é necessária tanto a representação do interesse geral e como a representação dos interesses particulares, mas no Parlamento todos devem falar em nome do bem comum mesmo quando tratarem de interesse que provenham de lobbies. Segundo o autor, é melhor ter estas representações particulares às claras do que a atuação clandestina e incontrolada deste segmento no âmbito do Poder Legislativo.
Destaca, ainda, que a assessoria no Legislativo exerce função fundamental para que este desempenhe bem sua missão. É necessária uma organização complexa e de alto nível, composta por especialistas que conheçam os problemas nacionais.
 
2.3 A importância do Legislativo: conclusões do autor.

Ao finalizar a análise, Ferreira Filho (1977) destaca em sua obra a importância do Legislativo em todas as fases de luta pela afirmação da identidade nacional, em cada bandeira levantada e que faltamente sempre resultaram em intervenções e modificações políticas.
Guardião da liberdade, voz da Democracia, ainda é o Legislativo. É defensor da liberdade, mas esta não é criada por ele. A liberdade se enraíza na consciência dos homens. Surge irresistível, quando, tendo presente que é responsável pelo próprio destino, o povo quer ser livre. Assume o encargo de ser livre. (FERREIRA FILHO, 1977, p. 103)
Enfatiza a importância da participação popular na condução dos governos, no rumo da democracia: “[...] Não são as instituições sozinhas que fazem a Democracia, esta provém da consciência dos homens.” (FERREIRA FILHO, 1977, p. 104)
Ressalta ao final as palavras do Padre Antônio Vieira, na obra Sermões (1951):
Dizia Vieira que não ‘há mando mais mal sofrido nem mais mal obedecido que o dos iguais’. Aí está, numa formula concisa, resumida a dificuldade inerente ao governo democrático. Fora da Democracia, porém, não há governo compatível com a liberdade humana. Sem Parlamento, respeitado e livre, ensina a História, não pode haver nem liberdade, nem democracia! (Ferreira Filho, 1977, p. 104)
  
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois capítulos acima analisados, extraídos da obra deste renomado doutrinador do Direito Constitucional brasileiro, trazem uma visão clara da importância do Poder Legislativo na manutenção do Estado Democrático nacional. Desde suas raízes históricas até as discussões sobre a democracia representativa, em especial sobre a viabilidade dos modelos sobre os partidos políticos, é possível verificar que diante de toda a evolução social, ainda não há meio que se sobreponha a estruturação do Estado democrático.
A idéia de Rousseau onde um Estado verdadeiramente democrático só existe para um governo de deuses e não de homens não é de toda questionável. Os homens são falíveis e sofrem influências de toda ordem, inclusive do progresso que tem experimentado de maneira cada vez mais acelerada nos últimos anos. Sendo um ser individualista por natureza[3], o homem frequentemente é confrontado por suas posições morais e éticas em conflito com os interesses coletivos. Entretanto, ainda não se concebeu um modelo de governo sem vícios, e fatalmente ele não existirá. Afinal os erros são inevitáveis em um governo feito por homens.
As críticas feitas ao modelo da democracia pelos partidos conforme adotado pelo constitucionalismo brasileiro não se perderam no tempo, ao contrário, perpetuam-se acentuadamente nos últimos anos. A obra publicada em 1977 encontra vasta contemporaneidade com publicações da imprensa atual. Para ilustrar, a reportagem publicada pela Revista Veja, em 09 de março de 2011, critica veementemente a falta de ideologias dos partidos políticos atuais, que estão mais interessados na grande fatia do “bolo” chamado tributos que despencam nos caixas da União. A base de aliados do governo se expande, pois todos estão interessados em conseguir mais recursos financeiros do governo federal para os Estados e Municípios que comandam, e assim uma das principais funções do Legislativo que é a fiscalização do Executivo torna-se inexistente e o que deveria ser negociação acaba tornando-se cooptação.[4]
Estes e outros problemas que assolam a democracia brasileira e de outras nações é que levam ao descrédito nos poderes Legislativo e Executivo nacionais, tornando aqueles que deveriam representar o povo e cuidar do bem-estar da coletividade em meros detentores de poder sem confiabilidade, comprometendo inclusive aqueles que de alguma forma ainda tentam moralizar a política nacional e adequá-la aos anseios de uma sociedade comprometida com o desenvolvimento equilibrado e próspero, atuando com ética e responsabilidade em suas ações.
Nesta ótica o atual século XXI presencia o declínio dos poderes Legislativo e Executivo, motivado sobretudo pela falta de pró-atividade diante dos problemas gerados pelo acelerado desenvolvimento. O espaço deixado pela falta de atuação esta sendo paulatinamente ocupado pelo Judiciário, fenômeno que muitos estudiosos vêm intitulando de “judicialização da política”, que por extensão e complexidade merece estudo especial que não cabem nestas simples considerações. O alerta serve apenas para que sejam repensadas as bases em que foram construídos os pilares da democracia, primando pela separação dos poderes e, principalmente, pelo sistema de freios e contrapesos que cada um deles deve exercer para a manutenção real da democracia.
O momento é de repensar os rumos da democracia atual e da função dos poderes que compõem o Estado nacional. O futuro é incerto e não existe nada imutável, sendo a própria evolução da democracia resultado destas transformações. Mas o que não pode ser deixado de lado são os erros do passado para evitar a estagnação no presente. Se o povo perde representatividade e permanece passivo estará fadado a conviver com o sistema ditatorial que virá à tona mais cedo ou mais tarde, seja ele de qualquer índole. É preciso evitar tal retrocesso através do fortalecimento do Poder Legislativo com pessoas e partidos políticos comprometidos realmente com o Estado-nação e não com a defesa de interesses individualistas e ilegítimos no Parlamento.
 
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Sete vezes democracia. São Paulo: Convívio, 1977.
NOLETO, Mauro Almeida. Justiça e Democracia: notas sobre a participação da Justiça Eleitoral na construção da democracia política brasileira. IESB. 2008. Disponível em: < http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Noleto.pdf >. Data da pesquisa: 06.jun.2011.
PORTELA, Fábio. Mamãe, eu quero mamar. In: Revista Veja: “Ei, você aí, me dá um partido aí...”. Ed. 2207. Ano 44. n. 10. 09 mar. 2011. p. 40-47.
TAVEIRA, Adriana do Val Alves. Democracia e Cidadania no Contexto Atual. UFG. R. Fac. Dir. UFG, V. 33, n. 1, p. 129-138, jan. / jun. 2009. Disponível em: <www.revistas.ufg.br/index.php/revfd/article/download/9805/6696>. Data da pesquisa: 06.jun.2011.
XIMENEZ, Júlia Maurmann. Reflexões sobre o conteúdo do Estado Democrático de Direito. IESB. 2008. Disponível em: <http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Julia%20Maurmann%20Ximenes.pdf >. Data da pesquisa: 06. jun.2011.
 Notas:

 [1] A Constituição Federal de 1988 não trouxe por acaso como primeiro capítulo do Título IV, que trata da Organização dos Poderes, as disposições sobre o Poder Legislativo, afinal a Constituição cidadã que estabelece no preâmbulo a instituição de um “Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]”, possui no Poder Legislativo o principal responsável pela efetivação de todos estes pilares, desde que ele esteja ativo e atento para os interesses da coletividade. Somente com um Poder Legislativo atuante e comprometido com os anseios sociais e os pilares constitucionais será possível a consagração efetiva do ideal democrático da atual República Federativa do Brasil. Temos na Constituição Federal de 1988 a preponderância do modelo de Montesquieu, assim como aconteceu na Inglaterra do século XIX.
[2] Adriana do Val Alves Taveira, em estudo publicado em 2009 pela Universidade Federal de Goiás, afirma que a democracia moderna foi fundada no Estado Liberal mais não ficou restrita a este. A doutrina do Estado de bem-estar social, aplicada inicialmente na República Alemã de Weimar em 1919 e formulada teoricamente por economistas como John Maynard Keynes que na obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” estabeleceu as proposições do Estado intervencionista com a busca de direitos sociais que deveriam ser assegurados não como caridade, mas como direitos inerentes à cidadania. Pela teoria do Estado intervencionista a estabilidade econômica e social é alcançada através de medidas socializantes, com um Estado Social Democrático sistematizando direitos econômicos e sociais do homem que jamais foram idealizados pelo Estado Liberal. (TAVEIRA, 2009, p. 06)

[3] Individualismo este ressaltado pelo próprio autor citando inclusive as palavras de Frei Vicente de Salvador e de Oliveira Viana.
[4] Neste sentido, o jornalista Fábio Portela em reportagem veiculada pela revista Veja, empreende estudo sobre a falta do caráter ideológico nos partidos políticos e do jogo de interesses que existe entre os políticos nacionais que trocam de legenda com a mesma naturalidade de quem troca de “fantasia sem medo do ridículo”. O jornalista faz importantes observações, entre elas, uma que também é atestada pelo autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho no decorrer de sua obra: “Ao contrário do que ocorreu na Europa, onde os partidos surgiram com os Estados modernos e se organizaram em torno de grandes doutrinas ideológicas, as siglas, no Brasil, sempre responderam a líderes, raramente a ideias. [...] as matrizes da política brasileira foram criadas por conveniência, e não guiadas por um ideário. [...] Partidos de mais para ideias de menos, como se pode concluir pela análise dos programas da maioria das siglas”. (Revista Veja, Edição 2207, ano 44, n° 10, 09/03/2011, p. 41-47).

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Giselle Borges Alves, advogada em Unaí/MG, Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista - INESC/CNEC; pósgraduanda em Direito Processual Civil pela Rede de Ensino Luís Flávio Gomes em parceria com a Universidade Anhanguera Uniderp e o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Sobre o texto:
Resenha elaborada apartir da relatoria dos capítulos III e IV da obra "Sete Vezes Democracia" do autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, na reunião do Grupo de Pesquisa em Direito Público - Professora Juliana Guedes, sob coordenação da Prof. Ms. Ivete Maria de Oliveira Alves, realizada em 10 de março de 2011.

Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

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