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sexta-feira, 27 de julho de 2012

"O dilema dos filhos", por Maria Berenice Dias


Artigo publicado originalmente no site Zero Hora (link)
Em 27/07/2012 
Autora: Maria Berenice Dias
Advogada


O modelo
patriarcal
da família
desapareceu.
Vive-se o
império da
igualdade.


Reportagem especial da Zero Hora, do dia 24 de julho, mostra o dilema das mulheres para conciliar maternidade e realização profissional. De um lado há toda uma cultura sexista que enaltece a maternidade como o mais importante ponto de gratificação da mulher. Foi o que sempre lhe ensinaram. Ela precisava querer e gostar de ser mãe. Algo tão sublime que deveria ser o seu único sonho, sua realização plena.

Ainda assim o movimento feminista conseguiu mostrar _ não só para as mulheres, mas para a própria sociedade _ que o espaço da mulher não se restringe ao reduto do seu lar, doce lar, do qual sempre foi considerada a rainha. Com isso a mulher se permitiu buscar outros pontos de gratificação. Alcançou o espaço público, entrou no mercado de trabalho e passou a participar dos encargos domésticos como provedora.  Este movimento levou _ ou deveria _ o homem a contribuir de forma mais efetiva do cuidado com os filhos e compromissos com a administração da casa. Passou-se a falar em paternidade responsável  e tal é a expectativa de serem pais que os próprios homens se dizem "grávidos".  Descobriram as delícias da paternidade e dela não abrem mão quando da separação. Foi o que levou ao surgimento da guarda compartilhada e à lei da alienação parental.

A Constituição Federal além de proclamar a absoluta igualdade do homem e da mulher (art. 5º, I) reconhece a família como a base da sociedade (art. 226) e afirma que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º). Diz mais. Impõe ao Estado o dever de assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos seus integrantes (226, § 8º).

Ainda assim é concedida à mulher licença-maternidade de quatro meses e, ao homem, escassos cinco dias a título de licença-paternidade. Será que esta disparidade atende ao princípio da igualdade e ao atual formato da família? Não será esta diferença de tratamento que faz as mulheres terem menores salários, inibe sua ascensão profissional e as afasta das posições mais destacadas?

Mas há peculiaridades outras. Quando o homem assume com exclusividade o encargo com os filhos, quer por morte ou incapacidade da mãe, quer por ter adotado um filho. Também há que se atentar às uniões homoafetivas. Se o casal é formados por dois homens, nenhum tem direito à "licença-maternidade" ? E quando forem duas as mães, possibilidade cada vez mais presente em face das modernas técnicas de reprodução assistidas? Ambas desfrutam de igual período de licença?

Para contornar todas essas situações, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional _ PEC 110/2010 que prevê a "licença-natalidade" pelo prazo de 180 dias. Nos primeiros 15 dias a licença seria usufruída por ambos os genitores e, no período seguinte, por qualquer deles, fracionado da forma que desejarem.

Este é o exemplo que vem de muitos países. Afinal, se está diante de uma nova realidade. O modelo patriarcal da família desapareceu. Vive-se o império da igualdade e prevalece o princípio da afetividade na própria definição da família e na identificação dos vínculos parentais.



quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O culto da criatividade individual e da meritocracia. Riscos para a democracia.



Entrevista publicada no site Instituto Humanitas Unisinus - IHU, em 09/11/11. (link)



"Está declinando a ideia da democracia como igualdade, e isso é muito perigoso. O culto da criatividade individual pode minar o vínculo entre as pessoas". Em seu último livro, Pierre Rosanvallon explica por que a promoção das diferenças econômicas é um risco.


A reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica, 08-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Somente uma sociedade fundamentada na verdadeira igualdade pode garantir a coesão social necessária para enfrentar as difíceis provas do nosso tempo. Para Pierre Rosanvallon, essa é uma certeza. O célebre estudioso das formas da política reforça essa ideia em seu último livro, La société des egaux (Ed. Seuil), recém-lançado na França e que já está sendo traduzido para muitas línguas.

O intelectual francês que leciona no Collège de France e dirige La Republique des idées analisa nessa obra a crise do conceito de igualdade em uma sociedade, como a nossa, dominada por diferenças sociais mais acentuadas. Análise a partir da qual nasce, depois, a proposta da "sociedade dos iguais", que soa quase como uma contribuição teórica ao movimento dos indignados.

"O indignados são apenas a ponta do iceberg de um protesto social generalizado que denuncia o desvio intolerável das desigualdades. Um desvio que, além de ser um desastre moral, favorece a "desconstrução social", explica Rosanvallon. "Infelizmente, no entanto, a indignação não se traduz quase nunca em escolhas concretas de reforma. Ou melhor, enquanto nos indignamos, as rupturas sociais aumentam. A consciência política cresce, mas a coesão social retrocede".

Eis a entrevista.

Como isso se explica?                             

A sociedade condena fatos produzidos por mecanismos que, no entanto, são parcialmente aceitos. Por exemplo, denunciam-se as retribuições escandalosas dos traders, mas não nos surpreendemos diante das compensações muito superiores dos jogadores de futebol ou dos artistas. Ou aceitamos, sem muitos problemas, a ideia de que o mérito pode produzir enormes diferenças econômicas. Tudo isso é um sinal do descompasso entre a democracia como regime político e a democracia como forma social. No plano político, as democracias são globalmente mais fortes e críticas hoje do que há 30 anos, podem contar com contrapoderes mais organizados e uma maior informação. Mas a democracia como vínculo social baseado na igualdade está diminuindo perigosamente.

No passado, a dimensão social da democracia contava mais?

Certamente. Para as revoluções americana e francesa, mais do que o regime político, contava a ideia de uma sociedade sem privilégios e diferenças sociais. Por isso a palavra "igualdade" era tão importante, como Tocqueville logo entendeu. Hoje, ela retrocede em toda a parte. Mas uma democracia certamente não pode continuar progredindo se entre os indivíduos falta o sentido de pertença a uma sociedade comum e compartilhada. Na ruptura social, corremos o risco de que o populismo se insinue, ou seja, a patologia da democracia-regime que explora a desconstrução da democracia-sociedade. Diante da crise do sentido de pertença, o populismo responde com a exaltação de um sentimento de comunidade fictício, baseado em uma ideologia nacionalista feita de exclusão, xenofobia e ilusória homogeneidade. Para responder ao populismo, é preciso, portanto, promover uma sociedade em que a palavra igualdade tenha novamente sentido.

Por que nos últimos 20 anos a igualdade social retrocedeu?

A sociedade abandonou progressivamente o modelo redistributivo que, durante quase todo o século passado, atenuou gradualmente as desigualdades sociais. A escolha da redistribuição estava ligada à recordação das grandes provas vividas coletivamente, sobretudo as duas guerras mundiais e ao medo do comunismo que levou até os regimes mais conservadores rumo às reformas sociais. Hoje, a vivência coletiva e o reformismo do medo não atuam mais, contribuindo assim para tornar muito mais frágil o impulso à solidariedade.

Qual foi o peso do triunfo do individualismo?

Foi um fator estrutural determinante, além do mais, favorecido pelo advento do novo capitalismo da inovação, que valoriza a produtividade e a criatividade individuais. A partir dos anos 1980, a meritocracia e a igualdade de oportunidades tornaram-se cada vez mais importantes, sustentadas por uma transformação quase antropológica do individualismo.

Em que sentido?

No alvorecer da democracia, o individualismo era universalizante. Ser um indivíduo significava sobretudo ser como os outros, com os mesmos direitos e a mesma liberdade. Daí a ideia de uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais. Hoje, ao contrário, prevalece a demanda por singularidade, o individualismo que nos distingue dos outros, a necessidade de nos sentirmos únicos que ganha espaço de escolha na sociedade de consumo. Temos a impressão de ter um poder suplementar sobre a nossa vida só porque nos consideramos consumidores conscientes, mas escolher entre cinco operadoras de telefonia não faz de nós cidadãos responsáveis. A verdadeira singularidade é construir a própria vida como indivíduos autônomos, existir como pessoas. O neoliberalismo, ao contrário, respondeu à necessidade de singularidade sacralizando consumidor e indicando como ideal da sociedade a concorrência generalizada.

Como fazer para colocar a igualdade novamente no centro da sociedade?

Insistir sobre o mérito e a igualdade de oportunidades não é suficiente. É preciso elaborar uma verdadeira filosofia da igualdade, que naturalmente não significa igualitarismo. Da igualdade como método de redistribuição, é preciso passar para a igualdade como relação, que deve se tornar a espinha dorsal de uma sociedade de iguais, articulando-a, porém, com a necessidade de singularidade. Hoje, de fato, não podemos mais pensar na igualdade como homogeneidade e nivelamento. É preciso dar a cada um os meios da sua própria singularidade, sem discriminações. Mas, ao lado dessa igualdade "de posição", deve ser promovida a igualdade "de interação", da qual depende o sentimento de reciprocidade, que é fundamental para a coesão social.

Por que a reciprocidade é tão importante?

Há reciprocidade quando cada um contribui de modo equivalente com uma sociedade em que o equilíbrio dos direitos e dos deveres é o mesmo para todos. A ausência de reciprocidade produz a desconfiança social e a falta de confiança com relação à coletividade. Quanto mais se perde confiança, mais os cidadãos se afastam uns dos outros. A reciprocidade está na base das chamadas "instituições invisíveis" que regulam a vida social: a saber, a confiança, a legitimidade, o respeito à autoridade. Hoje, as instituições invisíveis custam a manter o seu status e a sua eficácia. É por isso que é necessário colocar a igualdade no centro do espaço social, tornando possível, dentre outras coisas, aquela igualdade "de participação" que está no cerne da vida política democrática. A possibilidade para todos de intervir na vida pública, mesmo para além do exercício do voto. Favorecer esse tipo de igualdade, da qual também depende, depois, a redistribuição econômica, é do interesse de todos. Um mundo de desigualdades, de fato, além de ser um insulto aos mais pobres, também é um mundo dominado pela insegurança, pela violência e por custos sociais cada vez mais elevados. A sociedade da desigualdade não é apenas injusta, mas também uma ameaça para todos.


                                                                                                                              

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