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sábado, 23 de janeiro de 2021

ASPECTOS PRÁTICOS E JURÍDICOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE COOPERATIVAS

 

Giselle Borges Alves

Professora, advogada e servidora pública

Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

 

As cooperativas possuem grande importância no contexto humano, social e de diminuição das desigualdades, além de representarem importante componente para o desenvolvimento econômico brasileiro. Amoldam-se aos objetivos da República, conforme estabelecidos pela Carta Política de 1988, sobretudo por promoverem o trabalho humano como aspecto primordial de um capitalismo mais sustentável em todos os sentidos.

No entanto, muitas vezes pairam dúvidas sobre como constituir uma cooperativa e quais seriam os atos formais necessários. Assim, com o intuito de esclarecer de forma simplificada os aspectos expostos na Lei nº 5764/1971, que traz a Política Nacional do Cooperativismo, abaixo seguem algumas notas importantes.

 

1. Atos formais de constituição

 

Podemos definir alguns caminhos para a constituição e formalização das atividades de um empreendimento cooperativo, da seguinte forma:

1º) Reunião de todos os interessados na constituição da cooperativa: inicialmente, é pressuposto necessário que exista um número mínimo de associados para a constituição da cooperativa (20 membros conforme a Lei nº 5.764/1971 ou 07 membros em se tratando de cooperativa de trabalho, conforme a Lei nº 12.690/2012). Os interessados devem se reunir – ainda informalmente – e decidir questões preliminares como forma da cooperativa, objeto social, termos do estatuto, como se dará a organização, entre outros aspectos relacionados a gestão do empreendimento.

2º) Convocação dos interessados para a Assembleia Geral de Constituição: após reunir os interessados e decidir as questões prévias anteriormente informadas, estes devem se reunir em uma Assembleia Geral de Constituição, que será a primeira assembleia formal da cooperativa. Todos os interessados devem ser convocados para participar dessa assembleia com antecedência mínima de 10 (dez) dias.

A publicação dessa convocação deve seguir o que está estabelecido no artigo 38, §1º da Lei 5764/71, com as devidas adaptações, posto que é a primeira assembleia da cooperativa, e a norma traz os aspectos gerais que devem ser obedecidos por todas as assembleias, desde a primeira até as subsequentes após a criação da cooperativa.

Assim, o edital de convocação deve ser afixado em locais frequentados pelos pretensos associados do empreendimento, bem como também devem ser publicados em jornal local ou por meio de circulares. O objetivo da norma é ofertar a maior publicidade possível à realização da assembleia, para que todo os interessados tenham ciência da sua realização.

3º) Reunião dos interessados na Assembleia Geral de Constituição: uma vez convocados os interessados, será realizada a Assembleia de Constituição em que se deve deliberar sobre a constituição da cooperativa, a aprovação do Estatuto e a eleição dos cooperados que irão compor o Conselho de Administração, Conselho Fiscal e Diretoria.

É sempre importante que todos os membros sejam informados sobre os aspectos relacionados ao desempenho das atividades nos órgãos que compõem a cooperativa.

4º) Elaboração do Estatuto Social: conforme visto anteriormente, o estatuto da cooperativa deve ser aprovado na assembleia de constituição. Assim, é importante que nele esteja incluso o objeto social, bem como as regras que nortearão as atividades das cooperativas e seu relacionamento com os cooperados.

5º) Arquivamento dos atos constitutivos da sociedade: após a finalização da Assembleia Geral de Constituição com todas as aprovações necessárias, a ata da assembleia juntamente com o Estatuto Social são os atos que devem ser arquivados na Junta Comercial da localidade onde ela funcionará. Apenas após o arquivamento a cooperativa poderá adquirir personalidade jurídica.

6º) Registro da cooperativa: outro aspecto importante da constituição das cooperativas é o registro perante à OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) ou na entidade estadual correspondente. Essa exigência está contida no art. 107 da Lei nº 5.764/1971).

É importante esclarecer que as cooperativas possuem representação de todos os segmentos de suas atividades, tanto a nível nacional, como em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal. Em Minas Gerais, por exemplo, esta entidade é a OCEMG – Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais.

Uma vez seguido este caminho e realizados todos os arquivamentos e registros, sem esquecer das licenças de funcionamento, inclusive perante os órgãos ambientais, e mediante obtenção dos alvarás e autorizações estaduais e municipais, conforme o ramo cooperativo e o desempenho das atividades, a cooperativa estará autorizada a iniciar suas atividades.

 

2. Aspectos específicos da denominação social

 

As sociedades cooperativas, como um tipo sui generis de sociedade, podem atribuir responsabilidade limitada ou ilimitada aos associados, conforme dispuser seu estatuto. Além disso, o nome comercial da sociedade deve constituir-se em denominação social, sendo obrigado o uso da expressão “cooperativa” em sua denominação, conforme dispõem os artigos 5º caput, 15 inciso I, 21 inciso I, todos da Lei nº 5.764/1971 e o art. 1.159 do Código Civil de 2002.

Em relação as cooperativas que desejam atuar no ramo crédito, é importante ressaltar que é vedado às cooperativas de crédito o uso da denominação “banco”, conforme estabelecido expressamente no parágrafo único do Art. 5°, Lei nº 5.764/1971. As cooperativas de crédito são instituições financeiras que pertencem ao sistema financeiro nacional, mas para elas são aplicadas normas regulatórias específicas, diversas das normas aplicáveis em caráter geral aos bancos.

É importante ressaltar, ainda, que de acordo com a Lei nº 5764/1971, a responsabilidade dos sócios da cooperativa pode ser limitada ou ilimitada. Caso seja limitada, a sociedade cooperativa poderá acrescentar em sua denominação social a expressão “Ltda”.

 

3. Considerações finais

 

A constituição de cooperativas apesar de muita similaridade com a constituição de sociedades de natureza empresária, encontra na Lei Geral – 5.764/1971 – algumas especificidades que devem ser obedecidas para que não sejam confundidas com empresas convencionais.

As normas jurídicas ofertam ao cooperativismo uma regulação diferenciada, em alguns casos mais protetiva do que para empresas convencionais, e a identificação correta de uma cooperativa, que adere aos princípios fundamentais deste movimento secular, inicia desde os seus primeiros passos. Por este motivo, é sempre importante proceder corretamente com os registros e a obtenção das licenças necessárias ao funcionamento, evitando problemas com órgãos reguladores e também possibilitando que as cooperativas, após constituídas regularmente, tenham acesso às prerrogativas fiscais, tributárias e de acesso a crédito, tão importantes ao seu desenvolvimento.

 

REFERÊNCIAS


BRASIL. Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.


 ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.

 

______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 23 jan. 2021.

______. Lei 12.690 de 19 de julho de 2012. Organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12690.htm>. Acesso em: 23 jan. 2021.

 

 

 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.


Estudos do Novo Código de Processo Civil:

O estabelecimento de garantias e prioridades para o processo justo e efetivo: análise dos artigos 1º a 15 do Código de Processo Civil de 2015.

Giselle Borges Alves
Advogada em Minas Gerais e professora no curso de Direito da Faculdade CNEC Unaí
Texto elaborado e publicado em 10/12/2015.

O novo Código de Processo Civil - Lei 13.105 de 06 de março de 2015 -, abre o Livro I trazendo normas de conteúdo hermenêutico que irão nortear a aplicação de todas as demais normas contidas no Código. O título único trata das normas fundamentais e traça diretrizes de aplicação das normas processuais civis.
No artigo 1º é possível perceber que o novo Código de Processo Civil consagra a visão constitucional do processo, ao estabelecer que todo o processo civil deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com o valores supremos estabelecidos pela Carta Política nacional, consagrando a visão de que o processo civil não é uma seara estanque ou desvinculada dos fundamentos da República e das garantias individuais e coletivas.
O artigo 2º traz disposição conhecida pelos operadores do direito: o princípio da inércia da jurisdição. Assim, continua a regra processual que estabelece que o processo apenas inicia por provocação da parte, mas que deverá se desenvolver por impulso oficial, ressalvadas apenas as exceções legalmente previstas. Assim, a jurisdição inicialmente é inerte, mas uma vez provocada os atos processuais deverão ser impulsionados pelo Estado-juiz sem a necessária insistência das partes, estas deverão se pronunciar apenas quando necessário ao deslinde dos fatos ou quando provocadas pela própria jurisdição.
O artigo 3º traça a garantia fundamental estabelecida pela Constituição Federal de 1988, quanto a inafastabilidade da prestação jurisdicional, ou seja, por literalidade do artigo que retrata norma já insculpida na Carta Suprema no artigo 5º inciso XXV, não será excluída da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito.
Nos parágrafos 1º a 3º do artigo 3º da nova norma processual há a consolidação dos meios alternativos de resolução de conflitos, como aptos a prestar satisfatoriamente o amparo esperado pelo cidadão na resolução de controvérsias. Assim, o Código de Processo Civil de 2015, admite a arbitragem e prioriza a realização da conciliação, onde esta, por sua vez, deverá de todas as formas ser estimulada, por todas as partes e intervenientes no processo (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público).
O artigo 4º trouxe o dever do Estado-juiz de oferecer aos jurisdicionados uma rápida e efetiva solução dos litígios, mediante um prazo razoável de duração do trâmite processual. Temos, portanto, o princípio da celeridade processual de forma explícita no novo texto processual.
O princípio da boa-fé de eficácia processual também veio insculpido no artigo 5º, estabelecendo que todas as partes e intervenientes no processo devem agir imbuídos de ética na produção dos atos, contribuindo para a resolução efetiva do conflito, praticando os atos necessários sem qualquer abuso no seu exercício. Assim, o princípio da boa-fé processual está também diretamente ligado ao princípio cooperativo ou princípio de colaboração processual plena, estabelecido no artigo 6º da norma processual. Pelo princípio colaborativo, as partes devem realizar os atos de forma a obter em tempo razoável uma decisão justa e efetiva. Neste sentido, os atos praticados com boa-fé pelas partes, visando ao deslinde satisfativo, colaboram para que o processo chegue ao seu final priorizando a verdade processual.
O artigo 7º do novo Código de Processo, em sua primeira parte, consagra o princípio da isonomia processual, determinando a necessidade de paridade de tratamento das partes no exercício de direitos e faculdades processuais, como também na utilização de mecanismos de defesa, na distribuição equânime e legal dos ônus e deveres processuais. Em sua última parte o artigo 7º estabelece que a isonomia processual também equivale ao zelo do magistrado pelo contraditório efetivo. Aliás, os princípios do contraditório e da ampla defesa, possuem enorme ênfase no novo texto processual civil pátrio. Ambos os princípios ganham destaque no artigo 7º ao 10º, sempre priorizando a possibilidade das partes pronunciarem-se e o direito de serem ouvidas previamente.
O artigo 8º traz diretrizes para a aplicação da lei processual pelo magistrado, instruindo quando a sua atuação para priorizar os fins sociais, o bem comum e a promoção da dignidade da pessoa humana. Afirma, ainda, na parte final, a necessidade de observância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência, lembrando-o que o magistrado faz parte da administração pública, e como ente do Estado deve proporcionar um processo justo.
O artigo 9º garante à parte o direito de ser ouvido previamente às decisões (possibilidade do contraditório e ampla defesa plenos), e as únicas exceções ao mandamento seriam a tutela provisória de urgência e a tutela de evidência, esta última apenas nas situações descritas no artigo 311, incisos II e III, que trazem respectivamente, a concessão da tutela de evidência na hipótese das alegações de fato serem fundadas em provas documentais e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos ou em súmula vinculante; bem como, na situação do pedido de tutela de evidência ser reipersecutório fundado em prova documental adequada ao contrato de depósito.
O artigo 10 do diploma processual de 2015, conforme afirmado anteriormente, traz normatizado também o princípio do contraditório pleno, estabelecendo a proibição para os magistrados de proferirem decisões, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento que não tenha dado as partes a opção de pronúncia, ou seja, o uso de fundamentação decisória “surpresa”, mesmo que seja sobre matéria que caiba ao magistrado decidir de ofício, como por exemplo, a prescrição. Portanto, o novo Código de Processo Civil traz o dever do contraditório efetivo em todas as instâncias e não só com relação aos fatos e fundamentos apresentados pela parte contrária, mas também quanto aos fundamentos não alegados por nenhuma das partes, mas que fatalmente podem ser utilizados pelo juiz em sua decisão. É dever do magistrado também agir com boa-fé e apresentar às partes todas as situações jurídicas que podem ter influência relevante no processo.
O artigo 11 também segue como corolário do dever de lealdade processual não só das partes, mas também do Estado-juiz, com a consagração plena do princípio da publicidade dos atos processuais, ressalvado os casos que envolvam segredo de justiça, e o princípio da motivação substantiva das decisões judiciais, de forma que as partes consigam compreender todas as razões fáticas e jurídicas que ampararam as deliberações interlocutórias ou finais dos feitos.
Uma das grandes novidades do diploma processual de 2015 em relação ao de 1939 é a normatização descrita no artigo 12 que consagra o julgamento cronológico por meio de listas. A novidade visa dar concretude aos princípios explícitos da celeridade e eficiência processuais. Por este regramento tanto os juízes de primeira instância como os tribunais de segundo grau e tribunais superiores, deverão guardar observância à ordem cronológica para proferir sentenças e acórdãos, sendo que estas listas de processos devem ser públicas e os meros requerimentos formulados pelas partes, que não impliquem reabertura de instrução ou conversão do julgamento em diligência, não estão aptos a retirar o processo da ordem em que se encontram na lista cronológica.
No entanto, vários atos estão excluídos da regra do julgamento cronológico. Para conhecimento destes atos é imperiosa a leitura do §2º do artigo 12 do novo código de processo, o que se recomenda ao leitor.
O §6º do artigo 12 também traz a necessidade de observância de prioridade de julgamento para os processos que tiverem sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligências ou complementação da instrução, bem como também deve ser dada prioridade aos processos que se enquadrem na situação descrita pelo artigo 1040, inciso II, ou seja, quando uma vez publicado acórdão paradigma por outra instância, o órgão que proferiu a decisão recorrida, na origem, reexaminar o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior.

Portanto, na análise das disposições iniciais do novo Código de Processo Civil é possível verificar que o diploma pede uma interpretação pautada em normas principiológicas e que os operadores do Direito, bem como as partes e qualquer interveniente no processo, devem estar abertos para um novo modo de pensar o processo de modo a evitar abusos e a priorizar as garantias processuais, ao mesmo tempo garantindo uma duração razoável de todos os procedimentos com vistas a um processo justo e efetivo.




Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade única da autora; ao fazer a citação de qualquer das partes do texto não esqueça de indicar a autoria. Assim você está obedecendo as leis brasileiras que consagram os direitos autorais.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Direito do Consumidor - STJ: Consumidores buscam a Justiça para defender seus direitos na compra de imóveis

 Material especial publicado pelo STJ


O artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite que, no contrato de adesão, as cláusulas sejam estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.

A regra vale para o contrato de compra e venda feito com construtora para aquisição de imóvel. Isso pode ser um problema para o consumidor – se este não conhecer seus direitos e, consequentemente, não souber identificar possíveis abusos por parte daquela.

Em razão de problemas de natureza contratual ou do produto, a cada dia aumenta o número de demandas judiciais envolvendo construtoras. Confira a jurisprudência do STJ sobre o tema.

Propaganda enganosa
De acordo com o consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Rodrigo Daniel dos Santos, muitos não sabem que existe um documento – memorial de incorporação – que descreve todas as características do imóvel; inclusive detalhes como marca, tipo e modelo do piso, além da cor da tinta das paredes.

Esse documento deve ser registrado no cartório antes da venda do imóvel. Com isso, aquele que estiver interessado em comprá-lo poderá verificar, antes de fazer o negócio, se todos os itens conferem com o constante no memorial.

O consultor jurídico mencionou outro aspecto importante: a publicidade veiculada pelas construtoras faz parte do contrato. “Inclusive, se não houver ressalvas quanto a projeções artísticas com paisagismo e móveis em áreas comuns, estas são promessas que integram o contrato de venda.”

Sobre esse ponto, a Quarta Turma do STJ julgou um caso em que unidades residenciais do empreendimento denominado Meliá Barra Confort First Class, no Rio de Janeiro, de mais de R$ 2 milhões cada, foram vendidas como apart hotéis com serviços (REsp 1.188.442).

Segundo o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, “o princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada”.

Atraso

Uma das queixas mais comuns enfrentadas pelo Judiciário é o atraso na entrega dos imóveis vendidos na planta. Vários casos já chegaram ao STJ. De acordo com dados do Ibedec, 95% das obras no Brasil são entregues com atraso. “Todos os contratos preveem uma cláusula, que reputamos ilegal, de tolerância de 180 dias na entrega do imóvel”, afirmou Rodrigo Daniel dos Santos.

Em setembro de 2011, a Terceira Turma do STJ decidiu que o atraso de três anos na entrega de um imóvel adquirido na planta não configurou dano moral. “A devolução integral das parcelas pagas, devidamente corrigidas, é suficiente para indenizar os prejuízos. Não há falar em indenização por dano moral na espécie”, afirmou o ministro Massami Uyeda, relator do REsp 1.129.881.

O contrato de compra e venda com a construtora, cujo objeto era um imóvel situado no Rio de Janeiro, foi celebrado em novembro de 1994, com entrega prevista para novembro de 1997. A cliente chegou a pagar mais de R$ 114 mil em prestações durante o tempo em que esperava pela entrega (que nem chegou a acontecer).

Diante disso, moveu ação de rescisão contratual, cumulada com pedido de devolução integral das parcelas pagas, bem como indenização por danos moral e material. O juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente, tanto em relação à rescisão, quanto à devolução das parcelas e ao dano moral – fixado em R$ 24 mil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença, apenas para afastar a condenação em lucros cessantes.

Dano moral

No STJ, o ministro Massami Uyeda explicou que o consumidor está autorizado pelo ordenamento jurídico a buscar a rescisão contratual, bem como a devolução imediata dos valores pagos. Contudo, o ministro não concordou com as instâncias ordinárias em relação aos danos morais.

Para ele, “salvo circunstância excepcional que coloque o contratante em situação de extraordinária angústia ou humilhação, não há dano moral. Isso porque, o dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual se insere no cotidiano das relações comerciais e não implica lesão à honra ou violação da dignidade humana”.

Prazo para reclamar
De acordo com Antônio Luiz da Câmara Leal, o prazo de prescrição somente se inicia com a ciência da violação do direito, não sendo admissível, portanto, que se tenha como extinta a pretensão antes mesmo desta ciência (Da Prescrição e da Decadência: Teoria Geral do Direito Civil).

No julgamento do REsp 903.771, a Terceira Turma proferiu decisão nesse sentido. Para os ministros, o prazo que o dono do imóvel tem para ingressar em juízo contra a construtora, por danos relacionados à segurança e solidez da obra, começa a contar a partir da ciência das falhas construtivas.

O imóvel adquirido em agosto de 1982 começou a apresentar problemas 17 anos depois. Em novembro de 2002 (mais de 20 anos após a aquisição), o morador moveu ação contra a construtora, na qual pediu indenização de danos materiais – visto que deixara de receber o valor correspondente aos aluguéis durante a reforma do prédio –, além de danos morais.

O magistrado de primeiro grau reconheceu a prescrição vintenária da pretensão indenizatória. O Tribunal de Justiça de Sergipe desconstituiu a sentença, pois considerou que o prazo só começaria a contar a partir do conhecimento, pelo dono do imóvel, da fragilidade da obra.

No recurso especial direcionado ao STJ, a construtora Celi alegou violação ao artigo 1.245 do Código Civil (CC) de 1916, segundo o qual, “nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não achando firme, preveniu em tempo o dono da obra”.

Garantia

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, o prazo de cinco anos do artigo mencionado é de garantia e não de prescrição ou decadência. Isso quer dizer que, “desde que a fragilidade da obra seja conhecida nos cinco anos seguintes à sua entrega, possui ele [dono do imóvel], nos termos da Súmula 194 deste Tribunal, 20 anos para demandar o construtor”.

Entretanto, o ministro lembrou que existe alternativa à disposição do dono da obra, que independe de o conhecimento dos problemas de solidez e segurança ter-se dado nos cinco anos após a entrega: a comprovação da prática de um ilícito contratual, ou seja, da má execução da obra (artigo 1.056 do CC/16).

“É inviável aceitar que o dono da obra, diante e no exato momento do conhecimento da fragilidade desta, seja impedido de veicular pretensão indenizatória em face de quem, culposamente, tenha ocasionado esta fragilidade”, afirmou Sanseverino.

Juros no pé

Um assunto que já gerou muita divergência de entendimento entre os membros das Turmas de direito privado do STJ é a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel – os chamados “juros no pé”.

Em setembro de 2010, a Quarta Turma, em decisão unânime, negou provimento ao recurso especial interposto pela Queiroz Galvão Empreendimentos, por considerar que, “em contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, descabe a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel, porquanto, nesse período, não há capital da construtora mutuado ao promitente comprador, tampouco utilização do imóvel prometido” (REsp 670.117).

Em junho de 2012, esse entendimento foi alterado pela Segunda Seção no julgamento dos embargos de divergência (EREsp 670.117) interpostos pela mesma empresa. Nas razões do recurso, a construtora alegou que havia decisão da Terceira Turma em sentido contrário: “Não é abusiva a cláusula do contrato de compra e venda de imóvel que considera acréscimo no valor das prestações, desde a data da celebração, como condição para o pagamento parcelado” (REsp 379.941).

O ministro Antonio Carlos Ferreira, que proferiu o voto vencedor na Segunda Seção, citou vários precedentes do Tribunal que concluíram pela legalidade de cláusulas de contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que previam a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves.

Ele explicou que, em regra, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção deve ser feito à vista. Contudo, o incorporador pode oferecer certo prazo ao cliente para o pagamento, por meio do parcelamento do valor total, que pode se estender além do tempo previsto para o término da obra. Para ele, isso representa um favorecimento financeiro ao comprador.

“Em tal hipótese, em decorrência dessa convergência de interesses, o incorporador estará antecipando os recursos que são de responsabilidade do adquirente, destinados a assegurar o regular andamento do empreendimento”, disse.

Pagamento de aluguéis
Ainda que a rescisão contratual tenha ocorrido por culpa da construtora (fornecedor), é devido o pagamento de aluguéis, pelo adquirente (consumidor), em razão do tempo em que este ocupou o imóvel. Esse foi o entendimento da Quarta Turma no julgamento do REsp 955.134.

A dona de uma casa construída pela Só Casas Empreendimentos Imobiliários ajuizou ação contra a construtora, na qual sustentou que o imóvel teria sido entregue com atraso de mais de dois anos e com diversos defeitos que o tornaram impróprio para o uso. A empresa contestou os pedidos da autora e pediu que, em caso de rescisão contratual, ela fosse condenada a pagar aluguéis relativos ao período em que ocupou o imóvel.

Em primeira instância, o contrato foi rescindido e a construtora foi condenada a restituir os valores recebidos, com correção monetária e juros. Contudo, o pedido da construtora (quanto aos aluguéis) também foi julgado procedente. Ambas apelaram e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou em parte a sentença. Para esse tribunal, somente seriam devidos aluguéis pela adquirente à vendedora se tivesse partido daquela o descumprimento contratual.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial no STJ, independentemente de quem provocou a rescisão do contrato, é vedado o enriquecimento sem causa. “O pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização do bem alheio”, afirmou.

Cláusula abusiva

A Turma adotou outro entendimento importante nesse julgamento. Para os ministros, é abusiva a cláusula que estipula penalidade ao consumidor no caso de mora ou inadimplemento contratual, mas isenta o fornecedor em situações de análogo descumprimento contratual.

O contrato de compra e venda previa, na hipótese de inadimplemento do consumidor, imposição de multa moratória, retenção de 5% a título de comissão de corretagem e de 2% a título de taxa de serviço. Segundo Salomão, “prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda ao fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento”.

Ele mencionou que o artigo 4º do CDC estabelece os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, além de princípios que devem ser respeitados, como a harmonia e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. “A par da exigência de que as relações entre consumidores e fornecedores sejam equilibradas, tem-se também como um direito básico do consumidor a igualdade nas contratações”.

Tamanho do imóvel

De acordo com a cartilha do consumidor produzida pelo Ibedec, “embora o apartamento seja vendido como unidade, o cálculo de seu preço é feito em metros quadrados, portanto qualquer diferença caracteriza vício e pode ser objeto de indenização”.

Em outubro de 2011, a Quarta Turma julgou recurso especial da empresa Paulo Octávio Investimentos contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que a condenou ao pagamento de indenização a um casal de clientes pela diferença de 1,45% na área do apartamento adquirido por eles (REsp 326.125).

Segundo a ministra Isabel Gallotti, relatora, no caso de venda ad mensuram (quando o preço é estipulado por medida de extensão), “se as dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem o direito de exigir a complementação da área, a resolução do contrato ou ainda o abatimento proporcional do preço”.

Contudo, ela explicou que existe uma ressalva no Código Civil. “Se a desproporção não exceder de um vigésimo da área total enunciada, presume-se que a referência às medidas foi meramente enunciativa, devendo ser tolerada a diferença.” Quanto ao caso específico, a relatora observou que a diferença entre a área real do apartamento e a constante dos documentos apresentados pela construtora, de 5%, estava dentro da variação considerada tolerável pela legislação.

Devolução

“Revela-se abusiva, por ofensa ao artigo 51, incisos II e IV, do CDC, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 997.956.

APL Incorporações e Construções recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o qual considerou ser nula a cláusula contratual que determinou a devolução das prestações pagas pelo comprador somente após a conclusão das obras. Além disso, o TJSC aplicou ao caso o artigo 1.096 do CC/16, segundo o qual, "salvo estipulação em contrário, as arras em dinheiro consideram-se princípio de pagamento. Fora esse caso, devem ser restituídas, quando o contrato for concluído, ou ficar desfeito".

Segundo Salomão, relator do recurso especial, o STJ já tem jurisprudência pacífica sobre o assunto, que é contrária à pretensão da construtora. No julgamento do REsp 877.980, a Quarta Turma entendeu que a aplicação da cláusula configura enriquecimento ilícito por parte da incorporadora, visto que ela tem a possibilidade de revender o imóvel a terceiros e, ao mesmo tempo, obter vantagem com os valores retidos.

Quanto à devolução da quantia paga a título de sinal, Salomão afirmou que é direito do comprador obter sua restituição, se ele não tiver dado causa à rescisão do contrato. 



Link para a matéria original aqui.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Deixem em paz o princípio da presunção de inocência



Por Pierpaolo Cruz Bottini *
Publicado originalmente no Conjur (link) em 08/01/2013.

"É mais fácil formular uma acusação que destruí-la, como é mais fácil abrir uma ferida que curá-la" (Faustin Helie, 1866). 

Escrever sobre a presunção de inocência pareceria, a princípio, tarefa fácil, uma vez que a garantia é consagrada pela Constituição, sacramentada por diplomas internacionais e repetidas vezes destacada em decisões judiciais como elemento fundador de um Estado de Direito.
No entanto, é preciso sempre indicar a importância, os fundamentos dos princípios e regras, mesmo que consolidados, para resguardar sua existência. E com mais veemência quando observamos frequentes manifestações pela relativização da garantia em questão, apontando-a como causa da impunidade e da tibieza estatal no combate à criminalidade.
Por isso, inauguramos a coluna em 2013 com algumas reflexões sobre o tema, talvez mais em tom de desabafo — ou de angústia — do que de análise técnica.

Origens e evolução da presunção de inocência

A ideia de que todos são inocentes até manifestação judicial definitiva em contrário é antiga. Bem antiga. Há quem aponte passagens da presunção de inocência no Direito romano[1]. De qualquer forma, a consagração do princípio na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 revela que já há alguns séculos a vedação da punição antes da confirmação judicial da culpa era tida como sustentáculo de um modelo jurídico racional.

Mas nem tudo o que é sólido é mantido eternamente em tal estado, como diria um velho pensador político. A presunção de inocência foi mitigada nos anos que antecederam aos regimes totalitários da primeira metade do século XX, em especial por juristas italianos que viam no instituto uma ideiairracional. Por todos, citemos Manzini, que desenvolveu a ideia da substituição da presunção da inocência pela presunção da não culpabilidade[2]Para o autor, o magistrado carece de condições para atestar ou presumir a inocência de alguém. Pode, no máximo, afastar a pretensão da acusação de declará-lo culpado, mas isso não significa inocência. Significa que os indícios colhidos pela investigação foram contraditados suficientemente pela defesa, afastando as premissas para uma condenação.
Ainda que revestida de cuidados retóricos, a proposta de Manzini desembocava na presunção de culpabilidade, pois para o autor cabia à defesa afastar os indícios colhidos pelo órgão estatal, ou ao menos deixar o juiz em dúvida (a incerteza ou a dúvida leva à declaração de não culpabilidade, mas não à inocência) [3]. Partia-se do princípio que as teses da acusação eram sustentáveis em si, e se não rebatidas, levavam à condenação. Invertiam-se os sinais, as incumbências das partes, e feria-se de morte a presunção de inocência.
No Brasil, tais ideias permearam a legislação do Estado Novo. O Decreto-lei 88/37 — que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional — previa no artigo 20, 5, que “presume-se provada a acusação, cabendo ao réu prova em contrário, sempre que tenha sido preso com arma na mão, por ocasião de insurreição armada, ou encontrada com instrumento ou documento do crime”. Assim, a prática de crimes graves e o estado de flagrância suprimia a presunção de inocência, em uma fórmula não muito distante daquela adotada por alguns diplomas legislativos em vigor.
Passada a 2ª Grande Guerra, o princípio voltou a almejar caráter universal, a ponto de ser incluído expressamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. XI) no Pacto de San José da Costa Rica (art. 8º), e em diversos textos constitucionais nacionais, dentre os quais no nosso, no conhecido inciso LVII do artigo 5º, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Contornos da presunção de inocência no Brasil

Com a previsão expressa da presunção de inocência na Carta Maior[4], aos poucos foram relegados à inconstitucionalidade dispositivos legais que impunham restrições de direitos em decorrência dejuízos provisórios de culpa, assim caracterizadas as decisões de magistrados ou tribunais sem caráter definitivocomo a chamada execução provisória da pena, que admitia, com base em dispositivos do Código de Processo Penal, a antecipação da sanção penal após condenação em segundo grau, mesmo que não transitada em julgado (por exemplo, na pendência de recurso especial ou extraordinário)[5].

No paradigmático HC 84.078-7/MG (julgado em 5.2.2009), o Pleno do STF decidiu pela inconstitucionalidade dessa execução provisória da pena. A decisão de impedir a execução da penaantes do trânsito em julgado da decisão condenatória foi criticada por alguns como contraproducentesob a perspectiva político criminal. Alegava-se que a morosidade do processo penal e o elevado número de recursos disponíveis, somada à necessidade do trânsito em julgado para a imposição da pena, conferiam uma sensação de impunidade, pois deixavam livres agentes já condenados em duas instâncias.
Diante de tais manifestações, o ministro Eros Grau, relator do Habeas Corpusem questão, foi enfático: “A prevalecer o entendimento que só se pode executar a pena após o trânsito em julgado das decisões do RE e do Resp, consagrar-se-á, em definitivo, a impunidade. Isso  eis o fecho de outro argumento  porque os advogados usam e abusam de recursos e de reiterados Habeas Corpus, ora pedindo a liberdade, ora a nulidade da ação penal. Ora  digo eu agora  a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete! Não recuso significação ao argumento, mas ele não será relevante, no plano normativo, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Antes disso, se prevalecer, melhor recuperarmos nossos porretes...”.
Assim, restou — naquele momento — consolidada a presunção de inocência, com o rechaço pela Corte Constitucional de qualquer imposição antecipada de pena antes do trânsito em julgado. E nessa linha seguiu o ministro Joaquim Barbosa, ao negar pedido de prisão dos réus na Ação Penal 470 antes de condenação definitiva.

Imposição automática de medidas cautelares processuais penais de caráter pessoal

A consolidação da presunção de inocência, no entanto, foi distorcida por um fenômeno legislativo recorrente: a imposição automática de medidas cautelares pessoais diante da gravidade dos crimes imputados.

Inúmeras leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional estabelecendo a prisão preventiva obrigatória de réus acusados da prática de determinados crimes, sob a forma de vedação de liberdade provisória. A Lei 8.072/90, artigo 2º, II (crimes hediondos), Lei 9.613/98, artigo 3º (lavagem de dinheiro), Lei 10.826/03, artigo 21 (armas) Lei 11.343/06, artigo 44 (drogas), previam que em caso de prisão em flagrante, o agente não poderia ser beneficiado com a liberdade provisória dada a gravidade do delito imputado. Em outras palavras, o legislador impunha a prisão cautelar automática aos presos em flagrante.
Com o passar do tempo, tais preceitos também foram declarados inconstitucionais — em caráter incidental ou abstrato — por sua incompatibilidade com a presunção de inocência[6]. Notou o STF, em diversas oportunidades, que tais dispositivos não passavam de subterfúgio para mitigar a presunção constitucional de inocência[7]. As medidas cautelares — prisão e mesmo outras menos gravosas — justificam-se diante de um comportamento do réu no sentido de turbar a investigação ou a persecução. A imposição de restrições a direitos automáticas, sem qualquer análise da conduta concreta do afetado, não tem natureza cautelar — pois não estão atreladas a fatos que indiquem a possibilidade de perecimento de direito ou bens — mas caracterizam uma sanção antecipada. Não por acaso, estão sempre ligadas à gravidade do crime, à hediondez da imputação, ou seja, a uma acusação cuja demonstração está ainda em curso, cuja constatação requer o exaurimento de uma instrução ainda em andamento[8].
Em outras palavras, a cautelar automática é uma execução antecipada da pena, uma vez que carece de justificativa instrumental. Portanto, conflita claramente com a presunção de inocência, sendo corretamente declarada inconstitucional em diversas oportunidades pela Corte Maior.

Mitigações à presunção de inocência

No entanto, mesmo com toda a vigilância jurisprudencial, não raro são aprovadas leis incompatíveis com a presunção de inocência. Embora não se admitam mais regras que imponham execução antecipada da pena, ou prisão preventiva obrigatória, outras tantas formas de afetação da presunção de inocência foram aprovadas pelo Legislativo e até mesmo chanceladas pelo Judiciário.

É o que ocorreu com a chamada Lei da Ficha Limpa. A Lei Complementar 135/2010 estabeleceu que são inelegíveis todos os condenados por órgão colegiado pela prática de alguns crimes elencados na norma (ex. crimes contra a fé pública, o patrimônio público ou privado, o sistema financeiro[9]). Em outras palavras, a norma previu a inelegibilidade daquele que foi considerado culpado em julgamento proferido por mais de uma pessoa, mesmo que tal decisão não seja definitiva, não tenha transitado em julgado.
Sabe-se que o STF declarou tal dispositivo constitucional (ADPF 4.578), mas isso não o isenta de críticas, nem impede que se aponte sua incompatibilidade com a presunção de inocência, como já apontamos em Coluna anterior[10].
Da mesma forma, a nova redação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98, com a redação alterada pela Lei 12.683/12) afronta a presunção de inocência ao prever o afastamento automático do servidor público em caso de indiciamento pelo crime de lavagem de dinheiro.Pelo artigo 17-D, sempre que a autoridade policial indiciar um servidor público por lavagem de dinheiro, a consequência imediata, automática, será seu afastamento do cargo.
Mais uma vez, mitiga-se a presunção de inocência, ao impor ao réu uma pesada medida cautelar constritiva sem fundamento processual, como mera antecipação de pena, calcada em decisão provisória do delegado de Polícia[11].
Da mesma forma, o projeto de lei de reforma do Código Penal, em trâmite no Senado Federal, propôs a criminalização do enriquecimento sem causa, definido como o ato de “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar, ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimento auferidos pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito” (art.227).
Tal proposta também viola o princípio em comento, pois parte da presunção de que o patrimônio não justificado do servidor público não só é fruto de ilícito, mas de ilícito penal, e impõe a ele a comprovação da origem legal dos bens[12], sob pena de criminalizar seu status patrimonial.

Conclusão

Parece claro que a presunção de inocência, embora consagrada constitucionalmente, vigora pela incessante atividade jurisdicional de vigilância, pela constante declaração de inconstitucionalidade de preceitos que, expressa ou veladamente, mitigam sua aplicação. Mesmo assim, são vezeiras leis ou propostas que afetam a regra, sempre calcadas no argumento de que o respeito à disposição constitucional aumenta a impunidade e enfraquece a política criminal, em especial nos casos de réus acusados de delitos graves.

O mais preocupante é que muitas destas propostas contam com amplo apoio popular, o que se explica nas palavras de Arnaldo Malheiros Filho: “Escravos aos leões, enforcamentos em praça pública, autos-de-fé com gente ardendo na fogueira sempre foram, ao longo da história, campeões de audiência. Nossa sociedade midiática só aprofunda o sucesso das execuções sem julgamento e sem “formalidades” que protejam os direitos individuais.”[13]
No entanto, vale aqui a lição de Rui Barbosa, para quem a gravidade dos delitos imputados ao réu apenas reforça a necessidade de respeito à presunção de inocência: “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...) Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.” [14]
A redução da impunidade não está atrelada ao enfraquecimento das garantias constitucionais. Ela passa pela racionalização do processo penal, pelo desenvolvimento de sistemas de inteligência policial, pelo cuidado das autoridades em evitar nulidades que atrasam a persecução. Existem várias formas de conferir eficiência ao sistema penal sem abrir mão dos preceitos e garantias construídos pelo tempo, que protegem o cidadão contra o arbítrio, contra o mau uso do ius puniendi.
Pelo exposto, resta claro que, apesar dos anseios por uma intervenção estatal mais aguda na liberdade em nome de uma pretensa segurança, ainda vigora um limite, um parâmetro constitucional e intransponível ao menos no Estado de Direito: a inocência como o estado original de todo o cidadão brasileiro.
Afastada tal garantia, seja pela fase processual, pela gravidade do delito, ou por qualquer outra justificativa atrelada a um juízo de culpa, restará desprotegido o cidadão perante o Estado e perante seus pares, submetido a restrições de direitos antes de considerações definitivas sobre as questões por ele alegadas. Esvaziado estará o Estado de Direito, e, nesse caso, como já disse o ministro Eros Grau: “melhor recuperarmos nossos porretes...”[15]



[1] Sobre o tema, vale a leitura de MORAES, Mauricio Zanoide, Presunção de inocência no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. Tambem um repasse histórico do tema no voto do Ministro Celso de Mello na ADPF 144/DF (j.06.08.08), que afirma já haver alusões à presunção de inocência no direito romano (´innocens praesumitur cujus nocentia non probatur´)  e em Tomás de Aquino.
[2] MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penal. Tomo I. Trad. Santiago Sentis Melendo e Mariano Ayerra Redín. Buenos Aires: Ed. Juridicas Europa-America, 1951. Também sobre o tema, ver GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, e DELMANTO JR., Roberto, Desconsideração prévia
[3] Como ensina LOPES JR., “MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade”, Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p191.
[4] Há quem indique que a norma constitucional não reflete o principio da presunção de inocência,mas o princípio da não culpabilidade. Sobre o tema, ver BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Deixem em paz a presunção de inocência. Revista AASP, Ano XXXII, outubro 2012, n.117, p.184
[5] Nessa linha, NERY JUNIOR, Nelson, Principios do processo na Constituição Federal, 9ª ed. São Paulo: RT, 2009, p.298
[6] No STF, ver Habeas Corpus nº 82.959/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 23.02.2006 (inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990); ADI 3112, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 02.05.2007 (inconstitucionalidade do art.21 da Lei 10.826/03, HC 97.256, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em 01.09.2010 (inconstitucionalidade do art.44 da Lei de Drigas).
[7] Vale anotar que JOSÉ FREDERICO MARQUES já apontava a inconstitucionalidade da cattura obligatoria em parecer de sua lavra emitido em 1989. Ver MARQUES, José Frederico. Pareceres. São Paulo: AASP, 1993, p.9-102. No mesmo sentido, JAÉN VALLEJO, Manuel. La presunción de inocência.Revista de derecho penal y procesal penal. Buenos Aires, n.2, p.355-370, out, 2004.
[8] Como afirma SUANNES, “nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige”, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo legal, in LOPES JR., Aury, em Direito processual penal e sua confrmidade constitucional, volume 1, 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.195
[9] A norma traz outras inelegibilidades, em decorrência de hipóteses distintas, mas aqui nos interessam apenas aquelas decorrentes de condenação criminal não transitada em julgado
[10] Lei da ficha limpa fere presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mar-13/direito-defesa-lei-ficha-limpa-fere-principio-presuncao-inocencia
[11] À incompatibilidade entre presunção de inocência e o art.17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro dedicamos a Coluna “O afastamento do servidor na lei de lavagem de dinheiro”, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-ago-14/direito-defesa-afastamento-servidor-lei-lavagem-dinheiro
[12] Proposta também objeto de discussão mais aprofundada em O enriquecimento ilícito e a presunção de inocência, disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/direito-defesa-enriquecimento-ilicito-presuncao-inocencia. Ver, ainda, Sobre o tema, ver MEDINA SALAS, Marco Antonio. Consideraciones sobre la inconstitucionalidad del delito de enriquecimento ilícito. Capitulo criminológico. Revista de las disciplinas del control social. Maracaibo, vol.37, n.1, p.133-152, jan. mar. 2009, passim.
[13] MALHEIROS FILHO, Arnaldo. Texto publicado no jornal Folha de São Paulo, seção Tendências e Debates, no dia 26.07.08
[14] BARBOSA, Rui, Novos discursos e conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p.75, e  O dever do advogado, Rio de Janeiro: Fundação Casa do Advogado/AIDE, 1985, p.19. Trechos também citados no voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADPF 144/DF
[15] HC 84.078-7/MG (julgado em 05.02.2009)


* Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2013



quarta-feira, 2 de maio de 2012

Indicações de leitura para o dia


Giselle Borges

Para abrir as postagens do mês de maio de 2012, selecionei dois artigos publicados recentemente, sobre dois assuntos amplamente discutidos no cenário nacional e jurídico.

O primeiro trata do foro especial que poderá ser aplicado ao caso Demótenes Torres e diz respeito ao estabelecimento do foro especial para julgamento dos procuradores de justiça. Tema ainda controvertido na jurisprudência pátria.

Título do artigo: "Foro especial dos procuradores de justiça".
Autor: Vladimir Aras
Mestre em Direito Público (UFPE), Professor Assistente de Processo Penal na UFBA e Membro do Ministério Público Federal. Edita o Blog do Vlad: www.blogdovladimir.com



A segunda indicação de leitura trata das multas diárias aplicadas pelo Judiciário visando compelir os condenados por ilícitos civis ao cumprimento das determinações, são as chamadas astreintes. O artigo traz uma crítica à posição que é adotada atualmente pelo Judiciário que distorce os princípios de enriquecimento sem causa para justificar a redução das multas diárias.

Título:  "O JUDICIÁRIO CONTRA SI MESMO E CONTRA O ESPOLIADO: a absurda matemática da multa diária e a permissividade dos tribunais em favor dos maus Fornecedores."
Autores: William Douglas¹ e Marcus Fábio Segurasse Resinente². 

¹William Douglas é Juiz Federal/RJ, Mestre em Direito pela UGF, Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo pela EPPG/UFRJ, Professor e Palestrante. 
² Marcus Fábio Segurasse Resinente é advogado e especialista em Direito do Consumidor e em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.




segunda-feira, 5 de março de 2012

Pesquisa acadêmica do Direito pode ser superficial

 

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*


Alguma pesquisa jurídica acadêmica contemporânea revela quatro problemas metodológicos que exigem enfrentamento. Refiro-me à utilização de referenciais históricos pouco consistentes, ao superficial conjunto de alusões ao Direito Comparado, à aproximação confusa com outros campos do saber e a técnicas argumentativas e discursivas apoiadas tão somente em argumentos de autoridade, ainda que disfarçados em excertos de jurisprudência. Percebe-se muito pouco de imaginação institucional. É a escravidão para com o passado, a reprodução do que já feito, a apologia da sapiência dos mortos.

Há textos elaborados em âmbito acadêmico, de matéria jurídica, com pretensão científica que são geralmente precedidos por introduções históricas que revelam recorrente reprodução de lugares-comuns, qualificando-se esforço descritivo de bases historiográficas muito duvidosas. Esse pesquisador imaginário tenta comprovar que institutos jurídicos contemporâneos substancializam o cume de longa linha evolutiva. Trata-se de uma técnica empobrecedora. Tem-se apenas exibicionismo de erudição, muito característico de nossos modos bacharelescos.

Em algumas (ou muitas) páginas, esse pesquisador imaginário passa rapidamente do Código de Hamurabi para a Lei das XII Tábuas, retorna para os sábios da Grécia antiga, corre para o Edito de Caracala, encontra alguma curiosidade penal em algum ordálio medieval, faz apologia à Revolução Francesa, retorna à Magna Carta, passa em revista todas as constituições brasileiras, naquilo que todos sabemos.

Há também forte tendência para coleta de exemplos e reflexões no Direito Comparado. Percebe-se deslocamento do contexto dos institutos estudados; não se reconhece a inexistência de um esperanto jurídico. Não se explora a teoria das transposições normativas, que nos indica que a mera cópia de modelo alheio pode provocar resultados inesperados.

É quando vale a pena se lembrar do fato (ou da metáfora) do jogo de cricket nas ilhas Trobriand, como se vê em filme clássico de Gary Kildea, a partir de insumo antropológico de Jerry Leach.

Conta-se que na Melanésia os nativos decidiam disputas de modo cruel. Missionários ingleses teriam ensinado aos melanésios o jogo de cricket, como uma fórmula mais pacífica e educada para resolução de problemas. Voltaram alguns anos depois. Verificaram, felizes, que o cricket estava disseminado na ilha. No entanto, observaram, espantados, que as regras foram transformadas, e que uma bola que saia do campo poderia ser punida com a morte...

A passagem também é encontrada no livro de Direito Administrativo de Marçal Justen Filho, bem a propósito da ingenuidade que decorre de copiarmos institutos de outras culturas, jurídicas até. São da assertiva exemplos muito nítidos o amigo da corte que pode se transformar no amigo da parte (como se intui da brilhante tese de Damares Medina, a propósito da influência de terceiros no processo decisório do STF) e a Medida Provisória, que não se afeiçoa ao modelo presidencialista.

O Direito Comparado não é argumento de exemplo, e nem adereço retórico. É importante insumo à reflexão crítica. Resta questão que persiste, e que não parece suscitar resposta simples e imediata, no sentido de que seria o Direito Comparado um método ou uma disciplina autônoma. Afinal quem tem razão?

Percebe-se também um deslocamento do contexto dos institutos estudados. Neste Direito Comparado macunaímico não se compara, não se atribuem juízos de valor. O Direito Comparado se transforma em curiosidade meramente descritiva. Deve-se reconhecer que não há um esperanto jurídico. O Direito Comparado transita num diálogo entre culturas.

Verifica-se ainda uma permanente metodologia de aproximação do Direito com outros campos do saber, a exemplo de Direito e Economia, Direito e literatura, Direito e Psicanálise.

Há graves problemas metodológicos, que decorrem de certo abuso de conhecimento, de quem pretende tratar a Economia, a literatura ou a Psicanálise como estruturas epistemológicas de dever-ser.

Há trabalhos que pretendem explicar o Direito a partir da Economia. Trata-se de uma investida na análise econômica do Direito. O campo é riquíssimo, radica no utilitarismo de Bentham e no pragmatismo norte-americano. Deve-se, no entanto, transcender à métrica do custo e do benefício, bem como do discurso do custo dos direitos, que se tenta impugnar com a metafísica da reserva do possível. É preciso estudar economia com seriedade.

Há trabalhos jurídicos que cotejam a literatura e as técnicas de crítica literária. Repudiado por alguns (Richard Posner), festejado por outros (José Calvo González), o selo “Direito e literatura” aproxima o problema jurídico do argumento das humanidades. Está virando moda. Há o fun factor, como dizem os norte-americanos; isto é, buscar o jurídico no argumento literário é fonte de prazer. Fica gostoso estudar Direito. Mas será que se pode dizer o mesmo de uma tentativa de se percorrer rota inversa, isto é, de se buscar, com obsessão, o argumento literário no Direito?

Pode-se verificar também alguma (embora tímida) incursão na teoria psicanalítica, ainda que fora de um contexto de psicopatologia forense, mais afeta à medicina legal, como se estudava a não muito tempo atrás.
A teoria psicanalítica pode-se aproximar de problemas hermenêuticos (em sentido estrito) e de teoria social (o que também intrigante).

Verifica-se também o uso de referenciais discursivos que desprezam pesquisas em fontes primárias (jurisprudência e textos legais, contemporâneos ou antigos) em favor de mera recolha de autores. A jurisprudência transforma-se em mero argumento, em favor de uma tese, uma prestação de contas entre conceitos defendidos e soluções institucionais declaradas pelo Judiciário. As fontes primárias são desprezadas, ainda que se possa alcançá-las, sem muito esforço de pesquisa de bibliografia ou de arquivos.
Por fim, estratégias retóricas também chamam a atenção. Que técnicas de hermenêutica são propaladas? Qual a força do argumento doutrinário? Será que se percebe que o chamado argumento de doutrina não seria uma demão de metodologia de teologia sistemática nas ciências sociais aplicadas, a começar pela designação?

Que peso tem a jurisprudência? E o que se dizer do frenesi em torno dos princípios de direito, que ganha foros de religião civil, inclusive com hagiografia que cultua um pensador alemão e outro norte-americano?
Por que tudo precisa ser explicado a partir de uma imaginária distinção entre princípios e regras? Por que se tratam regras como interruptores de luz (tudo ou nada) e princípios como transístores (mais ou menos energia), como insinuou autor espanhol em estudo aliciante.

Não haveria nesse sonambulismo dogmático disfarçado de técnica pragmática de solução de problemas retomada do argumento do direito natural que remonta a clivagem entre real e ideal que se perde em alguma caverna de Platão, onde sombras e vida se confundiam?

Há, sem dúvida, muita pesquisa inteligente, imaginativa e conclusiva no ambiente acadêmico jurídico contemporâneo. No entanto, multiplicam-se teses panorâmicas que, muitas vezes, concluem pela necessidade de tal ou qual lei, como se a normatização da existência fosse a grande lição que se leva da faculdade de Direito.


 *Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é consultor-geral da União, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Texto originalmente publicado pelo site Conjur (link) em 04.03.2012.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

8ª Edição da Revista de Direito Público da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais.

Para os estudiosos do Direito Público, recomendo a leitura da 8ª edição da Revista de Direito Público da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (Jan./Dez. de 2011). 
A revista está disponível no formato de arquivo pdf no site da Procuradoria-Geral do Estado de Minas Gerais, podendo ser acessada no link:

Para sua comodidade, segue abaixo transcristo o sumário para que avalie os temas de seu interesse. Boa leitura!

REVISTA DE DIREITO PÚBLICO DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
8ª ED. JAN/DEZ. - 2011.






SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
1. DOUTRINA
A ÉTICA E A ATIVIDADE PÚBLICA
- Alberto Guimarães Andrade .................................................................................................................................... 9
O PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS EM FACE DA FAZENDA
PÚBLICA: município, Distrito Federal, Estado-membro e União federal, bem como suas autarquias e fundações públicas
- Alexandre Moreira de Souza ................................................................................................................................... 13
AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL
- Bruno Matias Lopes ................................................................................................................................................ 29
ERRO DE FATO, ERRO DE DIREITO, MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO E REVISÃO DO LANÇAMENTO
- Célio Lopes Kalume ................................................................................................................................................ 35
EFEITOS DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS E O CASO DA HEPATITE C
- Cristiane de Oliveira Elian ....................................................................................................................................... 51
FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA
- Cristina Andrade Melo ............................................................................................................................................. 71
PROTESTO EXTRAJUDICIAL DA CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA: uma alternativa louvável na resolução de conflitos
para execuções fiscais de pequeno valor
- Dario de Castro Brant Moraes, Esly Winder Ribas Rocha, Fabrícia Lage Fazito Rezende Antunes, Jamerson Jadson
de Lima, Luciano Neves de Souza, Onofre Alves Batista Júnior .............................................................................. 81
A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO VISTA A PARTIR DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
- Fábio Murilo Nazar .................................................................................................................................................. 99
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E AS DISTORÇÕES DO MODELO FEDERATIVO FISCAL ADOTADO NO BRASIL
- Gabriela Costa Xavier ........................................................................................................................................... 109
DESENVOLVIMENTO NACIONAL E LEI DE LICITAÇÕES
- Gianmarco Loures Ferreira ................................................................................................................................... 129
[IN]ADEQUAÇÃO DA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA PEDIDOS DE MEDICAMENTOS EM FACE DO
ESTADO
- Kleber Silva Leite Pinto Junior ............................................................................................................................... 153
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TRIENAL EM FAVOR DAS PESSOAS JURÍDICAS
DE DIREITO PÚBLICO INTERNO: estudo em busca da ratio legis
- Lara Caroline Miranda ........................................................................................................................................... 169
EXECUÇÃO FISCAL: (definitiva) e provisória?
- Leonardo Oliveira Soares ..................................................................................................................................... 181
O NOVO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL RELATIVO À CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCÁRIA NA ÓTICA
DOS ENTES FEDERADOS
- Marcelo Barroso Lima Brito de Campos e Herculano José Ribeiro Júnior ............................................................ 193
BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA RENÚNCIA DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA NO BRASIL E EM PORTUGAL
- Maria Clara Teles Terzis ....................................................................................................................................... 209
O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA FISCAL
- Maurício Saraiva de Abreu Chagas ....................................................................................................................... 239
DO DIRIETO DA MÃE BIOLÓGICA E DA SUB-ROGADA À LICENÇA MATERNIDADE NOS CASOS DE GESTAÇÃO
POR SUBSTITUIÇÃO
- Rochelle Costa Cardoso Americano ...................................................................................................................... 261
RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET
- Sávio de Aguiar Soares ........................................................................................................................................ 275
PRESCRIÇÃO ANUAL DOS CRÉDITOS DECORRENTES DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS PARA ADVOGADO DATIVO
- Thiago Elias Mauad de Abreu ............................................................................................................................... 291
2. PARECERES, NOTAS JURÍDICAS E PEÇAS PROCESSUAIS
3. JURISPRUDÊNCIA
4. SÚMULAS ADMINISTRATIVAS
5. LEGISLAÇÃO DA ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO
ORIENTAÇÃO EDITORIAL




Decisão STJ - Imóvel não substitui depósito em dinheiro na execução provisória por quantia certa

  Notícia originalmente publicada no site do STJ, em 09/11/2021. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução po...