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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Fixação de tese sobre a inexistência de imunidade de jurisdição para ilícitos violadores de direitos humanos por Estados estrangeiros


Importante tese foi fixada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 954858/RJ, entendendo que diante de atos violadores de direitos humanos os Estados estrangeiros não possuem imunidade de jurisdição. O acórdão é de relatoria do Ministro Edson Fachin e a fixação da tese foi realizada em repercussão geral. 


Selecionamos o resumo divulgado no Informativo 1026/2021:



DIREITO INTERNACIONAL – PROTEÇÃO INTERNACIONAL A DIREITOS HUMANOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL – JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA


Imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro por ato ofensivo aos direitos humanos - ARE 954858/RJ (Tema 944 Repercussão Geral)


Tese fixada:

“Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição.”

Resumo do julgado:

A imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro não alcança atos de império ofensivos ao direito internacional da pessoa humana praticados no território brasileiro, tais como aqueles que resultem na morte de civis em período de guerra.

A imunidade de jurisdição de Estado soberano em razão de ato de império tem fonte no direito costumeiro. Este, ainda que tenha status elevado no direito internacional, nem sempre deve prevalecer. É que atos de império que resultem na morte de cidadãos brasileiros não combatentes, ainda que praticados num contexto de guerra, são atos ilícitos, seja por ofenderem as normas que regulamentam os conflitos armados (1), seja por ignorarem os princípios que regem os direitos humanos (2). Ademais, em hipóteses como essa, devem prevalecer os direitos humanos tal como determina o art. 4º, II, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (3), quando se fez a explícita opção normativa por um paradigma novo nas relações internacionais, no qual são preponderantes, não mais a soberania dos Estados, mas os seres humanos. No caso, trata-se de ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos de cidadão brasileiro não combatente que morreu em decorrência de ataque feito por submarino alemão a barco pesqueiro localizado no mar territorial brasileiro, durante a II Guerra Mundial. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 944 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, afastando a imunidade de jurisdição da República Federal da Alemanha, anular a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito. Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux (Presidente) e Marco Aurélio.


(ARE 954858/RJ, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 20.8.2021).

 

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(1) Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg: “Artigo 6 - O Tribunal instituído pelo Acordo mencionado no Artigo 1 acima, para julgamento e punição dos principais criminosos de guerra dos países do Eixo Europeu, é competente para julgar e punir pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo Europeu tenham cometido, quer a título individual ou como membros de organizações, algum dos seguintes crimes: (...) b) Crimes de Guerra: nomeadamente, violações das leis ou costumes de guerra. Tais violações incluem, mas não se limitam a assassínio, maus-tratos ou deportação para trabalhos forçados ou qualquer outro fim, da população civil do ou no território ocupado, assassínio ou maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, execução de reféns, pilhagem dos bens públicos ou privados, destruição sem motivo de cidades, vilas ou aldeias ou devastação não justificada por necessidade militar;” (2) Decreto 592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos): “ARTIGO 6 - 1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” (3) CF/1988: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos;”


STF: incompatibilidade do instituto da “candidatura nata” com a Constituição Federal de 1988


O Supremo Tribunal Federal decidiu a ADI 2530/DF, estabelecendo a incompatibilidade do instituto da "candidatura nata" com o regime jurídico estabelecido pela Constituição Federal de 1988, uma vez que o instituto viola o princípio da isonomia e a autonomia partidária.


Selecionamos o resumo do julgado divulgado por meio do Informativo 1026/2021:


DIREITO ELEITORAL – ELEIÇÃO

Candidatura nata: violação à autonomia partidária e à isonomia entre postulantes a cargos eletivos - ADI 2530/DF


O instituto da “candidatura nata” é incompatível com a Constituição Federal de 1988 (CF), tanto por violar a isonomia entre os postulantes a cargos eletivos como, sobretudo, por atingir a autonomia partidária (CF, arts. 5º, “caput”, e 17) (1). A denominada “candidatura nata” — entendida como um direito potestativo de detentor de mandato eletivo à indicação pelo partido para as próximas eleições, independentemente de aprovação em convenção partidária — é absolutamente incompatível com a atual atmosfera de liberdade de ação partidária. A imunização pura e simples do detentor de mandato eletivo contra a vontade colegiada do partido acaba sendo um privilégio completamente injustificado, que contribui tão-só para a perpetuação de ocupantes de cargos eletivos, em detrimento de outros pré-candidatos, sem qualquer justificativa plausível para o funcionamento do sistema democrático, e sem que haja meios para que o partido possa fazer imperar os objetivos fundamentais inscritos no seu estatuto. Num contexto em que a fidelidade partidária é um princípio fundamental da dinâmica dos partidos políticos, especialmente no que diz respeito aos titulares de cargos eletivos obtidos pelo sistema proporcional (2), cabe ao candidato submeter-se à vontade coletiva do partido, e não o contrário. A “candidatura nata” contrasta profundamente com esse postulado e, por esse aspecto, esvazia toda a ideia de fidelidade partidária em favor de um suposto “direito adquirido” à candidatura dos detentores de mandato eletivo pelo sistema proporcional. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 8º da Lei 9.504/1997, com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

 (ADI 2530/DF, relator Min. Nunes Marques, julgamento em 18.8.2021)


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(1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.” (2) Precedente: ADI 3.999

 



Fixação de tese sobre a inconstitucionalidade da constrição do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial


O Supremo Tribunal Federal estabeleceu recentemente a fixação da tese de inconstitucionalidade de atos de constrição do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em razão do disposto no artigo 100 da Constituição Federal, bem como dos princípios da separação dos poderes, legalidade orçamentária e eficiência administrativa.

Selecionamos o resumo do Informativo 1026/2021 que segue abaixo:


DIREITO CONSTITUCIONAL – REGIME DE PRECATÓRIOS

Atos de constrição de patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial sem fins lucrativos - ADPF 789/MA

Tese fixada:

“Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/1988), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF/1988) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput, da CF/1988).”

 Resumo do julgamento:

São inconstitucionais atos de constrição, por decisão judicial, do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, para fins de quitação de suas dívidas. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inconstitucionalidade dos bloqueios e sequestros de verba pública de estatais por decisões judiciais, exatamente por estender o regime constitucional de precatórios às estatais prestadoras de serviço público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo (1). Da mesma forma, a Corte já assentou orientação no sentido de que, salvo em situações excepcionais, não é possível que, por meio de decisões judiciais constritivas, se altere a destinação de recursos públicos previamente direcionados para a promoção de políticas públicas, sob pena de afronta ao art. 167, VI, da CF (2) (3). Ressalte-se que a exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos visa resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. Por isso, a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública — salvo, excepcionalmente, como fiscalizador — ofende o princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º) (4) (5). Por fim, no caso analisado, o princípio da eficiência da Administração Pública (CF, art. 37, caput) (6) é igualmente relevante para a solução da controvérsia. Isso porque os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias da empresa pública estadual para o pagamento de suas dívidas, atuaram como obstáculo ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de políticas públicas de saúde, em momento dramático de combate à pandemia da COVID-19. Com base nesse entendimento, o Plenário confirmou a cautelar anteriormente deferida e julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para: (i) suspender as decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro; (ii) determinar a sujeição da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares – EMSERH ao regime constitucional de precatórios; e (iii) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos, e ainda em poder do Judiciário, para as respectivas contas de que foram retiradas.

 (ADPF 789/MA, relator Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 20.8.2021 (sexta-feira), às 23:59)


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(1) Precedentes citados: ADPF 556; ADPF 485. (2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;” (3) Precedentes citados: ADPF 620; ADPF 275; ADPF 556. (4) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (5) Precedente citado: ADPF 114. (6) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal



Por decisão majoritária, nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.

O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua autorização. Após quatro sessões de debates, o julgamento foi concluído hoje, com a apresentação de mais cinco votos (ministra Cármen Lúcia e ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux).

Solidariedade entre gerações

Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão “e, portanto, “como forma de coatar outros direitos à memória coletiva”. Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”, refletiu.

Ponderação de valores

No voto em que acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, pelo desprovimento do RE, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas. No seu entendimento, enquanto categoria, o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a sopesar qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade) deve ter prevalência. “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo”, concluiu.

Exposição vexatória

Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes votou pelo parcial provimento do RE, acompanhando a divergência apresentada pelo ministro Nunes Marques. Com fundamento nos direitos à intimidade e à vida privada, Mendes entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. O ministro concluiu que, na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo.

Ares democráticos

O ministro Marco Aurélio também seguiu o relator. A seu ver, o artigo 220 da Constituição Federal, que assegura a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, está inserido em um capítulo que sinaliza a proteção de direitos. “Não cabe passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”, avaliou. Segundo o ministro, os veículos de comunicação têm o dever de retratar o ocorrido. Por essa razão, ele entendeu que decisões do juízo de origem e do órgão revisor não merecem censura, uma vez que a emissora não cometeu ato ilícito.

Fato notório e de domínio público

Para o presidente do STF, ministro Luiz Fux, é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Para o ministro, o direito ao esquecimento pode ser aplicado. Mas, no caso dos autos, ele observou que os fatos são notórios e assumiram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em livros, revistas e jornais. Por esse motivo, ele acompanhou o relator pelo desprovimento do recurso.

Não participou do julgamento o ministro Luís Roberto Barroso, que declarou sua suspeição, por já ter atuado, quando era advogado, em outro processo da ré em situação parecida com a deste julgamento.

Tese

A tese de repercussão geral firmada no julgamento foi a seguinte:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel”.

EC/CR//CF


Notícia original no site do STF (clique aqui)


terça-feira, 17 de novembro de 2015

STF: Direito de Resposta - Natureza Jurídica - Autonomia Constitucional – Funções - RE 683.751/RS



EMENTA: DIREITO DE RESPOSTA. AUTONOMIA CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, INCISO V). CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO INDEPENDENTEMENTE DE REGULAÇÃO LEGISLATIVA. ESSENCIALIDADE DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL, ESPECIALMENTE SE ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA SOCIEDADE QUE VALORIZA O CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE IDEIAS” (“FREE MARKETPLACE OF IDEAS”). O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO “MERCADO DE IDEIAS”: UMA METÁFORA DA LIBERDADE? A QUESTÃO DO DIREITO DIFUSO À INFORMAÇÃO HONESTA, LEAL E VERDADEIRA: O MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. “A PLURIFUNCIONALIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA” (VITAL MOREIRA, “O DIREITO DE RESPOSTA NA COMUNICAÇÃO SOCIAL”) OU AS DIVERSAS ABORDAGENS POSSÍVEIS QUANTO À DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL: (a) garantia de defesa dos direitos de personalidade, (b) direito individual de expressão e de opinião, (c) instrumento de pluralismo informativo e de acesso de seu titular aos órgãos de comunicação social, inconfundível, no entanto, com o direito de antena, (d) garantia do “dever de verdade” e (e) forma de sanção ou de indenização em espécie. A FUNÇÃO INSTRUMENTAL DO DIREITO DE RESPOSTA (DIREITO-GARANTIA?): (1) NEUTRALIZAÇÃO DE EXCESSOS DECORRENTES DA PRÁTICA ABUSIVA DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA; (2) PROTEÇÃO DA AUTODETERMINAÇÃO DAS PESSOAS EM GERAL; E (3) PRESERVAÇÃO/RESTAURAÇÃO DA VERDADE PERTINENTE AOS FATOS REPORTADOS PELOS MEIOS DE DIFUSÃO E DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. O DIREITO DE RESPOSTA/RETIFICAÇÃO COMO TÓPICO SENSÍVEL E DELICADO DA AGENDA DO SISTEMA INTERAMERICANO: A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 14) E A OPINIÃO CONSULTIVA Nº 7/86 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A OPONIBILIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA A PARTICULARES: A QUESTÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. NECESSÁRIA SUBMISSÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS AO ESTATUTO JURÍDICO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITOS DA PERSONALIDADE: ESPAÇO DE POTENCIAL CONFLITUOSIDADE. TENSÃO DIALÉTICA ENTRE POLOS CONSTITUCIONAIS CONTRASTANTES. SUPERAÇÃO DESSE ANTAGONISMO MEDIANTE PONDERAÇÃO CONCRETA DOS VALORES EM COLISÃO. RESPONSABILIZAÇÃO SEMPRE “A POSTERIORI” PELOS ABUSOS COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO À INTEGRIDADE MORAL (HONRA, INTIMIDADE, PRIVACIDADE E IMAGEM) E AO RESPEITO À VERDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 220, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CLÁUSULA QUE CONSAGRA HIPÓTESE DE “RESERVA LEGAL QUALIFICADA”. O PAPEL DO DIREITO DE RESPOSTA EM UM CONTEXTO DE LIBERDADES EM CONFLITO. ACÓRDÃO QUE CONDENOU O RECORRENTE, COM FUNDAMENTO NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL (E NÃO NA LEI DE IMPRENSA), A EXECUTAR OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA (“ASTREINTE”). DECISÃO RECORRIDA QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário contra decisão que, emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e confirmada em sede de embargos de declaração, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INTRUMENTO. AÇÃO PENAL PRIVADA. CRIME CONTRA A HONRA. LEI Nº 5.250/67. PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM JORNAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. FIXAÇÃO DE ‘ASTREINTE’. COMINAÇÃO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE.
O fato de ser o agravante beneficiário da assistência judiciária gratuita não o isenta do custo do cumprimento da obrigação de fazer, consistente na publicação de sentença de improcedência proferida em ação penal privada.
A sentença contrária ao pedido do querelante faz nascer para o querelado, que foi o vencedor, a faculdade de exigir do querelante que a sentença seja publicada em jornal pela parte perdedora. Assim, embora não seja um efeito imediato da sentença, sendo requerido pelo querelado, deve o autor da queixa proceder à publicação, independentemente de ser ou não beneficiário de assistência judiciária gratuita.
Tratando-se, a publicação de sentença, de obrigação de fazer, é cabível a fixação de multa, nos termos do art. 461, § 4º, do CPC, que faculta ao juiz a imposição de multa diária quando da imposição do cumprimento da obrigação de fazer, não sendo abusivo o valor da ‘astreinte’, de R$ 50,00 por dia de descumprimento.
Viável também a determinação da Magistrada de submeter o agravante às sanções pertinentes ao crime de desobediência, em caso de descumprimento.
Precedente do E. STJ.

REVOGAÇÃO DA LEI DE IMPRENSA. DIREITO DE RESPOSTA. ‘STATUS’ CONSTITUCIONAL.
Considerando que o direito de resposta possui ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB), eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impede o exercício dessa prerrogativa.
.......................................................................................................

AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO EM DECISÃO UNÂNIME.”
(AGRAVO REGIMENTAL nº 70032900326, Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS – grifei)
A parte ora recorrente sustenta, neste apelo extremo, que o acórdão recorrido teria violado diversos preceitos inscritos na Constituição da República.
O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao proferir a decisão objeto do presente recurso extraordinário, bem sintetizou a questão básica a ser examinada por esta Suprema Corte, assinalando que “o fato de o E. STF haver revogado a Lei de Imprensa não significa que se tenha tornado inviável o direito de resposta. Ocorre que o direito de resposta no Brasil já ganhou ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB). Por essa razão, eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo STF, não impedirá o exercício daquela prerrogativa” (grifei).
Sendo esse o contexto, cabe reconhecer que o presente recurso extraordinário revela-se inviável, eis que a pretensão de direito material nele deduzida encontra, ela mesma, óbice na orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou no exame da matéria.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, na decisão final da ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, ao julgar procedente o pedido formulado naquela sede processual, o fez sem prejuízo do regular exercício do direito de resposta previsto no art. 5º, inciso V, da própria Constituição:

“11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, ‘de eficácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. ‘Norma de pronta aplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.” (grifei)

O direito de resposta, como se sabe, foi elevado à dignidade constitucional, no sistema normativo brasileiro, a partir da Constituição de 1934, não obstante a liberdade de imprensa já constasse da Carta Política do Império do Brasil de 1824.
O art. 5º, inciso V, da Constituição brasileira, ao prever o direito de resposta, qualifica-se como regra impregnada de suficiente densidade normativa, revestida, por isso mesmo, de aplicabilidade imediata, a tornar desnecessária, para efeito de sua pronta incidência, a “interpositio legislatoris”, o que dispensa, por tal razão, ainda que não se lhe vede, a intervenção concretizadora do legislador comum.
Isso significa que a ausência de regulação legislativa, motivada por transitória situação de vácuo normativo, não se revela obstáculo ao exercício da prerrogativa fundada em referido preceito constitucional, que possui densidade normativa suficiente para atribuir, a quem se sentir prejudicado por publicação inverídica ou incorreta, direito, pretensão e ação cuja titularidade bastará para viabilizar, em cada situação ocorrente, a prática concreta da resposta e/ou da retificação.
É interessante assinalar, por oportuno, que o direito de resposta somente constituiu objeto de regulação legislativa, no Brasil, com o advento da Lei Adolpho Gordo (Decreto nº 4.743, de 31/10/1923, arts. 16 a 19), eis que – consoante observa SOLIDONIO LEITE FILHO (“Comentários à Lei de Imprensa”, p. 188, item n. 268, 1925, J. Leite Editores) – “Não havia na legislação anterior à lei de imprensa nenhum dispositivo regulando o direito de resposta” (grifei).
O que me parece relevante acentuar, neste ponto, é que a ausência de qualquer disciplina ritual regedora do exercício concreto do direito de resposta não impede que o Poder Judiciário, quando formalmente provocado, profira decisões em amparo e proteção àquele atingido por publicações inverídicas ou inexatas.

É que esse direito de resposta/retificação não depende, para ser exercido, da existência de lei, ainda que a edição de diploma legislativo sobre esse tema específico possa revelar-se útil e, até mesmo, conveniente.

Vale insistir na asserção de que o direito de resposta/retificação tem por base normativa a própria Constituição da República, cujo art. 5º, inciso V, estabelece os parâmetros necessários à invocação dessa prerrogativa de ordem jurídica, tal como o decidiu, na espécie, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao enfatizar “que o direito de resposta possui status constitucional”, razão pela qual, presente o contexto em exame, mostrava-se desnecessária a “interpositio legislatoris”.

Correto esse julgamento, pois sempre caberá ao Poder Judiciário, observados os parâmetros em questão, garantir à pessoa lesada (ainda que se cuide do próprio jornalista) o exercício do direito de resposta.
De qualquer maneira, no entanto, a ausência, momentânea ou não, de regramento legislativo não autoriza nem exonera o Juiz, sob pena de transgressão ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, do dever de julgar o pedido de resposta, quando formulado por quem se sentir ofendido ou, então, prejudicado por publicação ofensiva ou inverídica.
Não se pode desconhecer que é ínsito à atividade do Juiz o dever de julgar conforme os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, em respeito ao que está previsto no art. 126 do Código de Processo Civil (“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”), consoante assinala, sem maiores disceptações, o magistério da doutrina (ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, “Código de Processo Civil Interpretado e Anotado”, p. 405, 2ª ed., 2008, Manole; LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, “Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo”, p. 174/175, 2008, RT; HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. I/38 e 40, itens ns. 35 e 38, 50ª ed., 2009, Forense, v.g.).
Isso significa, portanto, considerado o que prescreve o art. 126 do CPC, que, em situação de “vacuum legis” (tal como sucede na espécie), o magistrado poderá valer-se de dispositivos outros – tais como aqueles existentes, p. ex., na Lei nº 9.504/97 (art. 58 e parágrafos) –, aplicando-os, no que couber, por analogia, ao caso concreto, viabilizando-se, desse modo, o efetivo exercício, pelo interessado, do direito de resposta e/ou de retificação.
O fato é que o reconhecimento da incompatibilidade da Lei de Imprensa com a vigente Constituição da República não impede, consideradas as razões que venho de expor, que qualquer interessado, injustamente atingido por publicação inverídica ou incorreta, possa exercer, em juízo, o direito de resposta, apoiando tal pretensão em cláusula normativa inscrita na própria Lei Fundamental, cuja declaração de direitos assegura, em seu art. 5º, inciso V, em favor de qualquer pessoa, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifei).
O exame do contexto fático, tal como foi este soberanamente delineado pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.), permite-me reconhecer a compatibilidade da decisão recorrida com o texto da Constituição, notadamente no ponto em que o julgamento em causa põe em destaque a circunstância de que uma das funções subjacentes ao direito de resposta reside, primariamente, no restabelecimento e/ou na preservação da verdade, o que se pode viabilizar, entre os diversos meios de sua concreta realização, mediante publicação da sentença cujo conteúdo revele a veracidade e a correção dos fatos veiculados pelos meios de comunicação social.

O direito de resposta/retificação traduz, como sabemos, expressiva limitação externa, impregnada de fundamento constitucional, que busca neutralizar as consequências danosas resultantes do exercício abusivo da liberdade de expressão, especialmente a de imprensa, pois tem por função precípua, de um lado, conter os excessos decorrentes da prática irregular da liberdade de informação e de comunicação jornalística (CF, art. 5º, IV e IX, e art. 220, § 1º) e, de outro, restaurar e preservar a verdade pertinente aos fatos reportados pelos meios de comunicação social.

Vê-se, daí, que a proteção jurídica ao direito de resposta permite identificar, nele, uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa.
Mostra-se inquestionável que o direito de resposta compõe o catálogo das liberdades fundamentais, tanto que formalmente positivado na declaração constitucional de direitos e garantias individuais e coletivos, o que lhe confere uma particular e especial qualificação de índole político-juridíca.

Se é certo que o ordenamento constitucional brasileiro ampara a liberdade de expressão, protegendo-a contra indevidas interferências do Estado ou contra injustas agressões emanadas de particulares, não é menos exato que essa modalidade de direito fundamental – que vincula não só o Poder Público como, também, os próprios particulares – encontra, no direito de resposta (e na relevante função instrumental que ele desempenha), um poderoso fator de neutralização de excessos lesivos decorrentes da liberdade de comunicação, além de representar um significativo poder jurídico deferido a qualquer interessado “para se defender de qualquer notícia ou opinião inverídica, ofensiva ou prejudicial (…)” (SAMANTHA RIBEIRO MEYER-PFLUG, “Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio”, p. 86, item n. 3.2, 2009, RT).

Cabe relembrar, neste ponto, que a oponibilidade do direito de resposta a particulares sugere reflexão em torno da inteira submissão das relações privadas aos direitos fundamentais, o que permite estender, com força vinculante, ao plano das relações de direito privado, a cláusula de proteção das liberdades e garantias constitucionais, pondo em destaque o tema da eficácia horizontal dos direitos básicos e essenciais assegurados pela Constituição da República, tal como tem acentuado o magistério da doutrina (WILSON STEINMETZ, “A Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais”, 2004, Malheiros; THIAGO LUÍS SANTOS SOMBRA, “A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Jurídico-Privadas”, 2004, Fabris Editor; ANDRÉ RUFINO DO VALE, “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas”, 2004, Fabris Editor; INGO WOLFGANG SARLET, “A Constituição Concretizada: Construindo Pontes entre o Público e o Privado”, 2000, Livraria do Advogado, Porto Alegre; CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, “Aplicação dos Direitos Fundamentais às Relações Privadas”, “in” “Cadernos de Soluções Constitucionais”, p. 32/47, 2003, Malheiros; DANIEL SARMENTO, “Direitos Fundamentais e Relações Privadas”, p. 301/313, item n. 5, 2004, Lumen Juris; PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais”, “in” “Direito Público”, ano I, nº 2, p. 170/174, out/dez de 2003, v.g.), em lições que possuem o beneplácito da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 164/757-758, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 209/821-822, Red. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – AI 346.501- -AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 161.243/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).
Cabe insistir na afirmação de que qualquer pessoa (tanto quanto a própria coletividade) tem o direito de obter e de ter acesso a informações verazes, honestas e confiáveis, de tal modo que a violação desse direito, se e quando consumada, poderá justificar, plenamente, o exercício do direito de resposta.
Desse modo, longe de configurar indevido cerceamento à liberdade de expressão, o direito de resposta, considerada a multifuncionalidade de que se acha impregnado, qualifica-se como instrumento de superação do estado de tensão dialética entre direitos e liberdades em situação de conflituosidade.

O exercício dessa prerrogativa fundamental, de extração eminentemente constitucional – que pode ser identificada tanto no plano individual quanto no da metaindividualidade (GUSTAVO BINENBOJM, “Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa”) –, permite qualificá-la (examinado o tema sob uma perspectiva pluralística) como instrumento concretizador do convívio harmonioso entre as liberdades de informação e de expressão do pensamento e o direito à integridade moral e ao respeito à verdade, o que se mostra compatível com padrões que distinguem sociedades democráticas.

Torna-se importante salientar, bem por isso, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à liberdade de informação, de um lado, e à preservação da honra e da verdade, de outro – há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar em cada caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, tomo I/363-366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, “Direito à Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias”, “in” “Constituição Federal de 1988 – Dez Anos (1988-1998)”, p. 230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Cabe reconhecer que os direitos da personalidade (como os pertinentes à incolumidade da honra e à preservação da dignidade pessoal dos seres humanos) representam limitações constitucionais externas à liberdade de expressão, “verdadeiros contrapesos à liberdade de informação” (L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, “Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 137, 2ª ed., 2003, Renovar), que não pode – e não deve – ser exercida de modo abusivo (GILBERTO HADDAD JABUR, “Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada”, 2000, RT), mesmo porque a garantia constitucional subjacente à liberdade de informação não afasta, por efeito do que determina a própria Constituição da República, o direito do lesado à resposta e à indenização por danos materiais, morais ou à imagem (CF, art. 5º, incisos V e X, c/c o art. 220, § 1º).

Na realidade, a própria Carta Política, depois de garantir o exercício da liberdade de informação, inclusive jornalística, impõe-lhe parâmetros – entre os quais avulta, por sua inquestionável importância, o necessário respeito aos direitos da personalidade (CF, art. 5º, V e X) – cuja observância não pode ser desconsiderada pelos órgãos de comunicação social, tal como expressamente determina o texto constitucional (art. 220, § 1º), cabendo ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto.

Lapidar, sob tal aspecto, o douto magistério do eminente Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO (“Programa de Responsabilidade Civil”, p. 129/131, item n. 19.11, 6ª ed., 2005, Malheiros):

“(...) ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica, ‘e de comunicação’, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade’, a vida privada, a ‘honra’ e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do ‘princípio da unidade constitucional’, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém (…).
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À luz desses princípios, é forçoso concluir que, sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.

Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da ‘proporcionalidade’ como sendo o meio mais adequado para se solucionarem eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos da personalidade. Ensinam que, embora não se deva atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito, o direito de noticiar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar sacrifício da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.
Ademais, o constituinte brasileiro não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, na medida em que estabeleceu que o exercício dessa liberdade deve-se fazer com observância do disposto na Constituição, consoante seu art. 220, ‘in fine’. Mais expressiva, ainda, é a norma contida no § 1º desse artigo ao subordinar, expressamente, o exercício da liberdade jornalística à ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’. Temos aqui verdadeira ‘reserva legal qualificada’, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos de personalidade em geral. Do contrário, não haveria razão para que a própria Constituição se referisse aos princípios contidos nos incisos acima citados como limites imanentes ao exercício da liberdade de imprensa.
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Em conclusão: os direitos individuais, conquanto previstos na Constituição, não podem ser considerados ilimitados e absolutos, em face da natural restrição resultante do ‘princípio da convivência das liberdades’, pelo quê não se permite que qualquer deles seja exercido de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. Fala-se, hoje, não mais em direitos individuais, mas em direitos do homem inserido na sociedade, de tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas com enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado Social de Direito, tanto os direitos como as suas limitações.” (grifei)

Daí a procedente observação feita pelo eminente Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, em trabalho concernente à colisão de direitos fundamentais (liberdade de expressão e de comunicação, de um lado, e direito à honra e à imagem, de outro), em que expendeu, com absoluta propriedade, o seguinte magistério (“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional”, p. 89/96, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor):
“No processo de ‘ponderação’ desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação. (…).
Como demonstrado, a Constituição brasileira (…) conferiu significado especial aos direitos da personalidade, consagrando o princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional, estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à privacidade e fixando que a liberdade de expressão e de informação haveria de observar o disposto na Constituição, especialmente o estabelecido no art. 5.º, X.
Portanto, tal como no direito alemão, afigura-se legítima a outorga de tutela judicial contra a violação dos direitos de personalidade, especialmente do direito à honra e à imagem, ameaçados pelo exercício abusivo da liberdade de expressão e de informação.” (grifei)

Inquestionável, desse modo, como anteriormente já enfatizado, que o exercício concreto da liberdade de expressão pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
Cabe observar, bem por isso, que a responsabilização “a posteriori” (sempre “a posteriori”), em regular processo judicial, daquele que comete abuso no exercício da liberdade de informação não traduz ofensa ao que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em favor da pessoa injustamente lesada, a possibilidade de receber indenização “por dano material, moral ou à imagem” ou, então, de exercer, em plenitude, o direito de resposta (CF, art. 5º, incisos V e X).
Se é certo que o direito de informar, considerado o que prescreve o art. 220 da Carta Política, tem fundamento constitucional (HC 85.629/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE), não é menos exato que o exercício abusivo da liberdade de informação, que deriva do desrespeito aos vetores subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da própria Constituição, “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever de indenizar”, consoante observa, em magistério irrepreensível, o ilustre magistrado ENÉAS COSTA GARCIA (“Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação”, p. 175, 2002, Editora Juarez de Oliveira), inexistindo, por isso mesmo, quando tal se configurar, situação evidenciadora de indevida restrição à liberdade de imprensa, tal como pude decidir em julgamento proferido no Supremo Tribunal Federal:

“LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. A LIBERDADE DE IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º, INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56, AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. AMPLA REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME SOBERANO DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
– O reconhecimento ‘a posteriori’ da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e X), a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação. Doutrina.
– A Constituição da República, embora garanta o exercício da liberdade de informação jornalística, impõe-lhe, no entanto, como requisito legitimador de sua prática, a necessária observância de parâmetros – dentre os quais avultam, por seu relevo, os direitos da personalidade – expressamente referidos no próprio texto constitucional (CF, art. 220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante ponderada avaliação das prerrogativas constitucionais em conflito (direito de informar, de um lado, e direitos da personalidade, de outro), definir, em cada situação ocorrente, uma vez configurado esse contexto de tensão dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso concreto. Doutrina. (…).”
(AI 595.395/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A discussão em torno da natureza jurídica do direito de resposta, por sua vez, tem estimulado a formulação de abordagens diferenciadas a propósito dessa prerrogativa fundamental, como o evidencia a reflexão que VITAL MOREIRA faz sobre esse instituto, concebido como reação ao abuso do poder informativo de que são titulares os detentores dos “mass media” e autores de livros em geral.
Em obra monográfica (“O Direito de Resposta na Comunicação Social”, p. 24/32, item n. 2.6, 1994, Coimbra Editora), esse ilustre Professor da Universidade de Coimbra e antigo Juiz do Tribunal Constitucional português (1983-1989) expõe as diversas concepções que buscam justificar, doutrinária e dogmaticamente, o direito de resposta, advertindo, no entanto, sobre a insuficiência de uma “explicação unifuncional”, por vislumbrar, no direito de resposta, uma pluralidade de funções, por ele assim identificadas: (a) o direito de resposta como “defesa dos direitos de personalidade”, (b) o direito de resposta como “direito individual de expressão e de opinião”, (c) o direito de resposta como “instrumento de pluralismo informativo”, (d) o direito de resposta como “dever de verdade da imprensa” e, finalmente, (e) o direito de resposta como “uma forma de sanção ‘sui generis’, ou de indenização em espécie”.
Ao sumariar as múltiplas funções que se mostram inerentes ao direito de resposta, esse Autor destaca-lhe, no contexto dessa “plurifuncionalidade”, duas características que reputa mais expressivas (“op. cit.”, p. 32):
“(...) a defesa dos direitos de personalidade (ou, mais genericamente, de um ‘direito à identidade’) e a promoção do contraditório e do pluralismo da comunicação social.
Esquematicamente, o direito de resposta satisfaz dois objectivos: (a) proporciona a todos os que se considerem afectados por uma notícia de imprensa um meio expedito, simples e não dispendioso de defender a sua reputação ou de fazer a valer a sua verdade acerca de si mesmo; (b) permite a difusão de versões alternativas, facultando desse modo ao público o acesso a pontos de vista divergentes ou contraditórios sobre o mesmo assunto. Nas palavras de um especialista italiano são dois os ‘interesses tutelados pelo direito de resposta: por um lado, um interesse eminentemente privatístico – o direito à identidade pessoal, isto é, o direito a não ver deformado o próprio património moral, cultural, político, ideal, etc.; por outro lado, um interesse publicístico – a pluralidade de fontes de informação, permitindo ao leitor julgar depois de ter ouvido também ‘a outra parte’ (…).” (grifei)

Cabe referir, por oportuno, quanto à amplitude e à própria titularidade ativa do direito constitucional de resposta (cujo exercício nem sempre supõe a prática de ato ilícito), o valioso entendimento doutrinário exposto por GUSTAVO BINENBOJM, que ressalta o caráter transindividual dessa prerrogativa jurídica, na medida em que o exercício do direito de resposta propicia, em favor de um número indeterminado de pessoas (mesmo daquelas não diretamente atingidas pela publicação inverídica ou incorreta), a concretização do próprio direito à informação correta, precisa e exata (“Meios de Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa. As Liberdades de Expressão e de Imprensa nos Estados Unidos e no Brasil”, p. 12/15, “in” Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico – REDAE, Número 5 – fevereiro/março/abril de 2006, IDPB):

“Ocorre que, de parte sua preocupação com a dimensão individual e defensiva da liberdade de expressão (entendida como proteção contra ingerências indevidas do Estado na livre formação do pensamento dos cidadãos), o constituinte atentou também para a sua dimensão transindividual e protetiva, que tem como foco o enriquecimento da qualidade e do grau de inclusividade do discurso público. É interessante notar que, ao contrário da Constituição dos Estados Unidos, a Constituição brasileira de 1988 contempla, ela mesma, os princípios que devem ser utilizados no sopesamento das dimensões defensiva e protetiva da liberdade de expressão. É nesse sentido que Konrad Hesse se refere à natureza dúplice da liberdade de expressão.
Importam-nos mais diretamente, para os fins aqui colimados, os dispositivos constitucionais que cuidam de balancear o poder distorsivo das empresas de comunicação social sobre o discurso público, que devem ser compreendidos como intervenções pontuais que relativizam a liberdade de expressão em prol do fortalecimento do sistema de direitos fundamentais e da ordem democrática traçados em esboço na Constituição. No vértice de tal sistema se encontra a pessoa humana, como agente moral autônomo em suas esferas privada e pública, capaz de formular seus próprios juízos morais acerca da sua própria vida e do bem comum.
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Além das normas constitucionais mencionadas logo no intróito deste capítulo, alguns direitos individuais relacionados no art. 5º também mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1º). Dentre eles, o direito de resposta (art. 5º, inciso V) e o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV) guardam pertinência mais direta com o ponto que se deseja demonstrar.
O direito de resposta não pode ser compreendido no Brasil como direito puramente individual, nem tampouco como exceção à autonomia editorial dos órgãos de imprensa. De fato, além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em que permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse de toda a sociedade. Assim, o exercício do direito de resposta não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito penal ou civil pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para abarcar uma gama mais ampla de situações que envolvam fatos de interesse público. Com efeito, algumas notícias, embora lícitas, contêm informação incorreta ou defeituosa, devendo-se assegurar ao público o direito de conhecer a versão oposta.
A meu ver, portanto, o direito de resposta deve ser visto como um instrumento de mídia colaborativa (‘collaborative media’) em que o público é convidado a colaborar com suas próprias versões de fatos e a apresentar seus próprios pontos de vista. A autonomia editorial, a seu turno, seria preservada desde que seja consignado que a versão ou comentário é de autoria de um terceiro e não representa a opinião do veículo de comunicação.
Na Argentina, a Suprema Corte acolheu esta utilização mais ampla do direito de resposta em caso no qual um famoso escritor concedeu entrevista em programa de televisão na qual emitiu conceitos considerados ofensivos a figuras sagradas da religião católica. A Corte assegurou o direito de resposta a um renomado constitucionalista, com a leitura de uma carta no mesmo canal de TV, baseando-se em um direito da comunidade cristã de apresentar o seu próprio ponto de vista sobre as mencionadas figuras. Considerou-se, na espécie, que o requerente atuou como substituto processual daquela coletividade.” (grifei)

Posiciona-se, no mesmo sentido, L. G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO (“Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira”, p. 121/122, item n. 7, 2ª ed., 2003, Renovar):

“Nesse contexto, já vimos que o direito de informação, com esta nova ótica constitucional, importa no direito à informação verdadeira, e que esta constitui um direito difuso da sociedade.
Sendo assim, o direito de resposta deve, por sua vez, reajustar-se para adaptar-se a esta nova ordem jurídica.
É primordial que se abandone a concepção do direito de resposta que o configura, apenas, como uma ação de reparação de dano, ou como um instituto afim à legítima defesa. Ele é tudo isso, mas deve ser mais que isso. Ele deve ser deslocado do particular, ofendido pessoalmente, titular de um direito à indenização, para a sociedade, credora de uma informação verdadeira, imparcial, autêntica.
Aceita a concepção, forçoso é admitir que o direito de resposta, integrante do direito de informação, é também um direito difuso, que pode ser exercido por qualquer legitimado com o fim de preservar a verdade de um fato.
Não mais vigerá a estreita via da indenização e da legitimação exclusiva do lesado para opor-se à matéria inexata. O ofendido cederá parte de seu lugar para o ‘interessado’ na exatidão da notícia – a sociedade.” (grifei)

Essa mesma percepção do tema é revelada por FÁBIO KONDER COMPARATO (“A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”, “in” “Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides”, p. 165/166, item n. IV, 2001, Malheiros):

“O direito de resposta, tradicionalmente, visa a garantir a defesa da verdade e da honra individual. Legitimado a exercê-lo, portanto, é sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido difundida uma mensagem inverídica ou desabonadora. Ainda que se não possa nele enxergar um direito potestativo, como quer uma parte da doutrina, é inegável que ele se apresenta como um meio de defesa particularmente vigoroso, em geral garantido pela cominação de pesada multa em caso de descumprimento pelo sujeito passivo.
É, sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria moderna denomina ‘interesses difusos’. Os defensores do bem comum ou interesse social acham-se sempre em posição jurídica subalterna em relação aos controladores dos meios de comunicação social, só tendo acesso garantido a esses veículos nos raros casos previstos em lei.
A legitimação para o exercício do direito coletivo de retificação deveria caber, analogamente ao previsto no chamado Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990): 1) ao Ministério Público; 2) a órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que despidos de personalidade jurídica, quando especificamente criados para a defesa de interesses difusos ou coletivos; 3) a organizações não-governamentais, existentes sob a forma de associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades estatutárias a defesa desses interesses.” (grifei)

A razão subjacente a tais propostas parece resultar, segundo preconizam esses eminentes autores, da necessidade de intensificar, fortalecendo-o, o processo de democratização dos meios de comunicação de massa (“mass media”), uma vez que o antigo conceito liberal do “livre mercado de ideias” (“free marketplace of ideas”) – defendido por pensadores e intelectuais tão diversos como JOHN MILTON (“Areopagitica”), JOHN STUART MILL (“On Liberty”), THOMAS JEFFERSON (“Letter to William Roscoe”), FRED S. SIEBERT (“The Libertarian Theory”), OLIVER WENDELL HOLMES, JR. (voto vencido em “Abrams v. United States”, “in” 250 U.S. 616, proferido em 1919), WILLIAM BRENNAN, JR. (voto vencedor em “Keyishian v. Board of Regents of the University of the State of New York”, in 385 U.S. 589, proferido em 1967), v.g. – achar-se-ia gravemente comprometido por uma progressiva concentração da propriedade dos meios de comunicação social, a ponto de autores como JEROME A. BARRON (“Access to the Media – A Contemporary Appraisal” e “Access to the Media – A New First Amendment Right”) e PATRICK GARRY (“The First Amendment and Freedom of the Press: A Revised Approach to the Marketplace of Ideas Concept”) sustentarem que essa “concentration of Media ownership” culminaria por descaracterizar a velha noção expressa na metáfora do “marketplace of ideas”, cujo perfil, agora, deveria ceder à nova fórmula do “revised marketplace model”, que, em decorrência dos dilemas e distorções provocados pelo fenômeno do oligopólio dos meios de comunicação de massa, busca promover a realização de diversos objetivos que se projetam no plano da transindividualidade, assim identificados por PATRICK GARRY, no estudo que venho de referir: “truth, individual and social interaction, citizen participation in public affairs and the maintenance of a non-monopoly press”.
Vale destacar, por sua vez, um outro aspecto que se me afigura relevante. Refiro-me ao fato de que a justa preocupação da comunidade internacional com a preservação do direito de resposta tem representado, no plano do sistema interamericano e em tema de proteção aos direitos de personalidade, um tópico sensível e delicado da agenda dos organismos internacionais em âmbito regional, como o evidencia o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 14), que constitui instrumento que reconhece a qualquer pessoa que se considere afetada por informação inexata ou ofensiva veiculada por meios de difusão o direito de resposta e de retificação:
“Artigo 14 – Direito de retificação ou resposta
1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.” (grifei)

Cumpre relembrar, no ponto, o magistério doutrinário de VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/138, em coautoria com LUIZ FLÁVIO GOMES, 2008, RT), cuja análise do mencionado Art. 14 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem ressalta o entendimento que a comunidade internacional confere à cláusula convencional pertinente ao direito de resposta e de retificação:
“A Convenção não se refere à ‘proporcionalidade’ da resposta relativamente à ofensa, não indicando se as pessoas atingidas têm direito de responder em espaço igual ou maior, em que lapso pode exercitar esse direito, que terminologia é mais adequada etc. A Convenção diz apenas que estas condições serão as ‘que estabeleça a lei’, frase que remete às normas internas dos Estados-Partes o estabelecimento das ‘condições’ de exercício do direito de retificação ou resposta, o que poderá variar de país para país. Contudo, tal proporcionalidade da resposta relativamente à ofensa deve entender-se ‘implícita’ no texto da Convenção, não podendo as leis dos Estados-Partes ultrapassar os limites restritivos razoáveis e os conceitos pertinentes já afirmados pela Corte Interamericana.” (grifei)

Cabe mencionar, ainda, fragmento da Opinião Consultiva nº 7/86, proferida, em 29 de agosto de 1986, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao ressaltar a essencialidade desse instrumento de preservação dos direitos da personalidade, entendeu que o direito de resposta deve ser aplicado independentemente de regulamentação pelo ordenamento jurídico interno ou doméstico dos países signatários do Pacto de São José da Costa Rica:

“A tese de que a frase ‘nas condições que estabeleça a lei’, utilizada no art. 14.1, somente facultaria aos Estados Partes a criar por lei o direito de retificação ou de resposta, sem obrigá-los a garanti-lo enquanto seu ordenamento jurídico interno não o regule, não se compadece nem com o ‘sentido corrente’ dos termos empregados nem com o ‘contexto’ da Convenção. Com efeito, a retificação ou resposta em razão de informações inexatas ou ofensivas dirigidas ao público em geral se coaduna com o artigo 13.2.a sobre liberdade de pensamento ou de expressão, que sujeita essa liberdade ao ‘respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas’ (…); com o artigo 11.1 e 11.3, segundo o qual:
‘1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade
‘3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas’ e com o artigo 32.2, segundo o qual ‘Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática’.
O direito de retificação ou de resposta é um direito ao qual são aplicáveis as obrigações dos Estados Partes consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção. E não poderia ser de outra maneira, já que o próprio sistema da Convenção está direcionado a reconhecer direitos e liberdades às pessoas e não a facultar que os Estados o façam (Convenção Americana, Preâmbulo, O efeito das reservas sobre a entrada em vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.s 74 e 75), Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982. Série A, n. 2, parágrafo 33).” (grifei)
Impende ressaltar, por oportuno, trecho da manifestação proferida no âmbito de mencionada Opinião Consultiva emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proveniente do eminente Juiz RODOLFO E. PIZA ESCALANTE, que assim se pronunciou:

“Em outras palavras, o direito de retificação ou de resposta é de tal relevância que nada impede respeitá-lo ou garanti-lo, vale dizer aplicá-lo e ampará-lo, ainda que não haja lei que o regulamente, por meio de simples critérios de razoabilidade; no fim das contas, a própria lei, ao estabelecer as condições de seu exercício, deve sujeitar-se a iguais limitações, porque, de outra forma, violaria ela mesma o conteúdo essencial do direito regulamentado e, portanto, o artigo 14.1 da Convenção.” (grifei)
Em suma: é por todas essas razões, e também por aquelas resultantes do acórdão ora impugnado, que tenho por inviável a pretensão recursal formulada nesta sede processual.
Sendo assim, e em face das razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento.
Publique-se.
Brasília, 24 de junho de 2015.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 1º.7.2015


sábado, 13 de junho de 2015

BRASIL + 30: O LEGADO DE 30 ANOS DE DEMOCRACIA E OS DESAFIOS PELA FRENTE, por Luís Roberto Barroso (Min. STF)


Fonte: Portal Migalhas (link)


Durante evento na prestigiada Harvard, intitulado “Harvard Brazil Conference”, o ministro Barroso participou apresentou em uma das conferências de encerramento uma reflexão sobre o Brasil: um olhar para o passado, para o presente e para o futuro.
Sob o título "O legado de trinta anos de democracia e os desafios pela frente" —, Luís Roberto Barroso destacou pontos positivos e negativos desse período, a complexidade do momento atual e o que reserva o futuro.
A ênfase de S. Exa. recaiu sobre a importância de, para melhorar as práticas no espaço público, melhorar, também, a ética privada.

Veja a íntegra abaixo.
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BRASIL + 30: O LEGADO DE 30 ANOS DE DEMOCRACIA E OS DESAFIOS PELA FRENTE
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO
Parte I
O LEGADO DE TRINTA ANOS DE DEMOCRACIA
II. TRÊS DESTAQUES POSITIVOS
1. Estabilidade institucional
2. Estabilidade monetária
3. Inclusão social
III. DOIS DESTAQUES NEGATIVOS
1. Constitucionalização excessiva e instabilidade do texto constitucional
2. Deficiências do sistema político
Parte II
OS DESAFIOS PELA FRENTE
I. A COMPLEXIDADE DO MOMENTO ATUAL
1. No plano econômico
2. No plano político
3. No plano da percepção social e da opinião pública
II. ALGUMAS OUTRAS CONSTATAÇÕES
III. O QUE RESERVA O FUTURO
1. Avanços importantes e as novas exigências
2. Três itens de uma agenda de avanço social
3. Brasil: um sucesso a celebrar
I. INTRODUÇÃO
A história da minha vida adulta começa dez anos antes da redemocratização do Brasil, em 1975. Eu tinha 17 anos e me preparava para ingressar na Faculdade de Direito. Os chamados “anos de chumbo” estavam ficando para trás, com a abertura “lenta, gradual e segura” do Governo Geisel. Mas a imprensa ainda se encontrava sob censura prévia, havia forte repressão aos opositores do regime militar e episódios de tortura ainda ocorriam aqui e ali. Um fato específico, ocorrido em outubro de 1975, foi o meu rito de passagem para o Brasil real: a morte do jornalista Vladimir Herzog em dependências do Segundo Exército, em São Paulo. A versão oficial era a de que ele fora detido para averiguações, sob suspeita de integrar uma organização (não violenta) de esquerda, e cometera suicídio. No entanto, juntando diversos fragmentos de notícias publicadas na imprensa, eu fui capaz de figurar que ele morrera sob tortura e que a história do suicídio era uma farsa1. A partir dali, com o maniqueísmo da primeira juventude, eu já sabia quem era o inimigo e de que lado eu queria estar.
Em 1976, ao ingressar na Faculdade, eu me juntei ao movimento estudantil de oposição ao regime militar. No ano seguinte, em 1977, apoiamos a deflagração da campanha pela anistia “ampla, geral e irrestrita” aos presos políticos e aos brasileiros no exílio. E um ano à frente, em 1978, participamos do início da mobilização pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Pois bem: a ditadura terminou em 1985; a Lei da Anistia veio em 1979; e a nova Constituição, em 1988. Aprendi, dessas experiências, que a história, por vezes, caminha devagar; e, outras vezes, se move rapidamente. É difícil adivinhar quando será de um jeito ou de outro. Mas, a despeito disso, o nosso papel é empurrá-la. É esta a nossa missão, como cidadãos, como intelectuais e como agentes do progresso social: empurrar a história.
Apenas para completar a linha do tempo, relembro mais duas datas marcantes que antecederam a redemocratização. Em 1981, o inquérito do Riocentro, que deveria apurar atos de terrorismo praticados por agentes do Exército foi arquivado, tendo apresentado uma conclusão grosseiramente falsa. Ali se deu a morte moral do regime militar. E em 1984, quando mais de um milhão de pessoas foram à ruas pedir o fim da ditadura, no movimento conhecido como “Diretas já”, deu-se a sua morte política. A eleição de Tancredo Neves e José Sarney, em 15 de janeiro de 1985, foi a certidão de óbito da ditadura e o início da superação do trauma que ela provocara. Na frase histórica que Mikhail Gorbachev iria pronunciar alguns anos depois: “Matar o elefante é fácil. Difícil é remover o cadáver”.
Parte I
O LEGADO DE TRINTA ANOS DE DEMOCRACIA
I. TRÊS DESTAQUES POSITIVOS
1. Estabilidade institucional
Desde o fim do regime militar e, sobretudo, tendo como marco histórico a Constituição de 1988, o Brasil vive o mais longo período de estabilidade institucional de sua história. E não foram tempos banais. Ao longo desse período, o país conviveu com a persistência da hiperinflação – de 1985 a 1994 –, com sucessivos planos econômicos que não deram certo – Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Collor I (1990) e Collor II (1991) – e com a destituição, porimpeachment, do primeiro presidente da República eleito após a redemocratização. Sem mencionar escândalos graves, como o dos “Anões do Orçamento”, o chamado “Mensalão” ou o “Petrolão”, ainda em curso. Todas essas crises foram enfrentadas e superadas dentro do quadro da legalidade constitucional. É impossível exagerar a importância desse fato, que significou a superação de muitos ciclos de atraso. O Brasil sempre fora o país do golpe de Estado, da quartelada, das mudanças autoritárias das regras do jogo. Desde que Floriano Peixoto deixou de convocar eleições presidenciais, ao suceder Deodoro da Fonseca, até a Emenda Constitucional nº 1, quando os Ministros militares impediram a posse do vice-presidente, o golpismo foi uma maldição da República. Nessa matéria, só quem não soube a sombra não reconhece a luz.
2. Estabilidade monetária
Todas as pessoas no Brasil que têm 40 anos ou mais viveram uma parte de sua vida adulta dentro de um contexto econômico de hiperinflação. A memória da inflação é um registro aterrador. Os preços oscilavam diariamente, quem tinha capital mantinha-o aplicado no overnight e quem vivia de salário via-o desvalorizar-se a cada hora. Generalizou-se o uso da correção monetária – reajuste periódico de preços, créditos e obrigações de acordo com determinado índice –, que realimentava drasticamente o processo inflacionário. Até hoje, um percentual relevante de ações que tramitam perante a Justiça brasileira está relacionado a disputas acerca da correção monetária e de diferentes planos econômicos que interferiram com sua aplicação. Pois bem: com o Plano Real, implantado a partir de 1º de julho de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso era Ministro da Fazenda, a inflação foi finalmente domesticada, tendo início uma fase de estabilidade monetária, com desindexação da economia e busca de equilíbrio fiscal. Este é outro marco histórico cuja importância é impossível de se exagerar. Para que se tenha uma ideia do tamanho do problema, a inflação acumulada no ano de 1994, até o início da circulação da nova moeda, o real, que se deu em 1º de julho, era de 763,12%. Nos 12 meses anteriores, fora de 5.153,50%. A inflação, como se sabe, é particularmente perversa com os pobres, por não terem como se proteger da perda do poder aquisitivo da moeda. Como consequência, ela agravava o abismo de desigualdade do país.
3. Inclusão social
A pobreza e a desigualdade extrema são marcas indeléveis da formação social brasileira. Apesar de subsistirem indicadores ainda muito insatisfatórios, os avanços obtidos desde a redemocratização são muito significativos. De acordo com o IPEA, de 1985 a 2012, cerca de 24,5 milhões de pessoas saíram da pobreza, e mais 13,5 milhões não estão mais em condições de pobreza extrema. Ainda segundo o IPEA, em 2012 havia cerca de 30 milhões de pessoas pobres no Brasil (15,93% da população), das quais aproximadamente 10 milhões em situação de extrema pobreza (5,29% da população. O Programa Bolsa Família, implantado a partir do início do Governo Lula, em 2003, unificou e ampliou diversos programa sociais existentes. Trata-se de um programa de transferência condicionada de renda, em que as condicionalidades são: crianças devem estar matriculadas nas escolas e terem frequência de no mínimo 85%; mulheres grávidas devem estar em dia com os exames pré-natal; crianças devem estar com as carteiras de vacinação igualmente atualizadas. O Bolsa Família, conforme dados divulgados em 2014, retratando uma década de funcionamento, atende cerca de 13,8 milhões de famílias, o equivalente a 50 milhões de pessoa, cerca de um quarto da população brasileira.
Nas últimas três décadas, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil, medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi o que mais cresceu entre os países da América Latina e do Caribe. Nessas três décadas, os brasileiros ganharam 11,2 anos de expectativa de vida e viram a renda aumentar em 55,9%. Na educação, a expectativa de estudo para uma criança que entra para o ensino em idade escolar cresceu 53,5% (5,3 anos). Segundo dados do IBGE/PNAD, 98,4% das crianças em idade compatível com o ensino fundamental (6 a 14 anos) estão na escola. Os avanços, portanto, são notáveis. Porém, alguns dados ainda são muito ruins: o analfabetismo atinge ainda 13 milhões de pessoas a partir de 15 anos (8,5% da população) e o analfabetismo funcional (pessoas com menos de 4 anos de estudo) alcança 17,8% da população. Também no tocante à desigualdade, houve avanços expressivos, mas este continua a ser um estigma para o país, como atesta o coeficiente GINI, que mede a desigualdade de renda. O Brasil ostenta uma incômoda 79a posição em matéria de justa distribuição de riqueza.
II. DOIS DESTAQUES NEGATIVOS
1. Constitucionalização excessiva e instabilidade do texto constitucional
A redemocratização do país foi institucionalizada pela Constituição de 1988. Não é o caso aqui de se analisarem os seus muitos pontos positivos, dentre os quais se destaca a transição bem sucedida para um regime democrático. O que é fora de dúvida é que a Constituição, mais do que analítica, é uma Constituição prolixa, que trata de temas demais e com excessivo grau de detalhamento. A Constituição brasileira cuida de um conjunto amplo de matérias que na maior parte da democracias do mundo são deixadas para a política e a legislação ordinária. Disso resultou que qualquer mudança de alguma relevância na realidade fática ou na conjuntura política exige uma alteração da Constituição. Isso acarreta dois problemas. O primeiro é que a política ordinária no Brasil acaba sendo feita por emendas constitucionais. Isso significa a necessidade de maiorias de 3/5 (três quintos), que é o quorum de reforma da Constituição, em lugar de maiorias simples, suficientes para a aprovação de leis ordinárias. A segunda consequência negativa é a instabilidade do texto constitucional: a Constituição de 1988 já sofreu, em 26 anos, 86 emendas. Por certo, um recorde mundial do qual, todavia, não devemos nos orgulhar. Mas há um consolo: a maioria das emendas se refere a matérias que nem deveriam estar na Constituição. O conjunto de normas materialmente constitucionais – relativas à separação de poderes, organização da Federação e aos direitos fundamentais – sofreu poucas alterações ao longo do período e permaneceu, portanto, relativamente estável.
2. Deficiências do sistema político
O sistema político brasileiro, no qual os membros da Câmara dos Deputados são eleitos pelo sistema proporcional com lista partidária aberta, tornou-se uma usina de problemas e de notícias ruins. Três de suas maiores deficiências são (i) a baixa representatividade, (ii) a centralidade do dinheiro (e não da cidadania) e (iii) o fato de ser indutor da corrupção. A baixa representatividade decorre da circunstância de que menos de 10% (dez por cento) dos candidatos são eleitos com votação própria. A grande maioria é eleita por transferência de votos, já que cada partido político tem direito a um número de cadeiras proporcional à votação que recebeu. Disso resulta que o eleitor não sabe exatamente quem elegeu. Pior; semanas após a eleição, não lembra sequer em quem votou. Os custos das campanhas são estratosféricos. Cada candidato disputa com todos os outros – inclusive e notadamente com os de seus próprio partido – em toda a extensão geográfica do Estado, já que não há divisão em distritos. Para eleger-se, um candidato precisa investir muitas vezes mais do que vai receber a título de remuneração nos quatro anos de mandato.
Sem surpresa, o financiamento eleitoral se tornou a maior fonte de corrupção e de desvio de dinheiro no país, como documentam os sucessivos escândalos, dentre os quais se destacam o do “Mensalão” e o do “Petrolão”, ora em curso. E, ouso dizer, os muitos outros que ainda podem aparecer. O país precisa deseperadamente de uma reforma política, mas não consegue produzir consenso mínimo sobre o que fazer. Há interesses demais sobre a mesa. Um bom começo seria eleger os objetivos que uma reforma política deveria buscar realizar, que a meu ver devem incluir: (i) aumentar a representatividade; (ii) baratear o custo das eleições; e (iii) reduzir drasticamente o número de partidos e dar a cada um deles um mínimo de autenticidade programática.
Parte II
OS DESAFIOS PELA FRENTE
I. A COMPLEXIDADE DO MOMENTO ATUAL
Faço a seguir uma breve descrição objetiva do momento atual, complexo e delicado, vivido pelo país. Trata-se de uma mera exposição de fato, sem qualquer juízo de valor, cuidando de três planos distintos: o econômico, o político e o da percepção da sociedade.
1. No plano econômico
No plano econômico, o país vive um momento reconhecidamente desfavorável, no qual avulta um conjunto de problemas, que incluem:
1. Baixo crescimento: o país cresceu apenas 0,1% em 2014, o pior resultado entre os BRICS (que inclui, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nos últimos três anos o PIB já tivera uma expansão mais tímida do que em anos anteriores (2,7%, 1% e 2,5%). A perspectiva para 2015 não é promissora.
2. Inflação alta: em 2014, 6,41%, superando a meta de 4,5%. Em fevereiro, o índice acumulado de 12 meses era de 7,7%, a sexta mais alta do mundo2.
3. Contas externas ruins: o item transações correntes, no Balanço de Pagamentos, teve déficit de US$ 91 bilhões.
4. Gasto público elevado e dificuldades na aprovação do Ajuste Fiscal.
5. Redução de investimentos privados e sinais de aumento de desemprego (de acordo com a OIT, a taxa passou de 6,5% em 2013 para 6,8% em 2014 e deverá chegar a 7,3% em 2015).
2. No plano político
No plano político, por igual, uma série de circunstâncias desfavoráveis se acumularam, podendo-se assinalar dentre elas as seguintes:
1. A Presidente ganhou as eleições por maioria mínima (51,64% contra 48,36%) (pouco mais de 3 pontos percentuais de diferença).
2. A Câmara dos Deputados elegeu um Presidente que é adversário da Presidente da República (atuou na campanha do candidato por ela derrotado e tem adotado postura de clara oposição).
3. O Presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados foram incluídos na investigação requerida pelo Procurador-Geral da República e acusam o governo de haverem interferido para que isso acontecesse.
4. As acusações de corrupção feitas em delação premiada envolvem partidos da base de apoio do governo, inclusive e sobretudo o Partido dos Trabalhadores.
5. Há um conjunto de manifestações populares, algumas espontâneas e outras orquestradas, muitas delas com palavras de ordem pelo impeachment.
3. No plano da percepção social e da opinião pública
Por fim, no âmbito da sociedade civil, uma onda de insatisfação e ceticismo tem contaminado o momento presente, por motivos diversos, dentre os quais:
1. O escândalo de corrupção na Petrobras tem um efeito devastador sobre o sentimento social, tanto por sua extensão quanto por envolver uma empresa de grande valia simbólica para o país.
2. Todas as grandes empreiteiras, responsáveis pelas principais obras do país, aparentemente estão envolvidas. Isso dá à corrupção uma dimensão endêmica e generalizada. De repente, tudo ficou sob suspeita, de aeroportos a hidrelétricas, passando por estradas e estádios.
3. Há temor de que existam mais escândalos por vir, em outras empresas e fundos estatais ou paraestatais.
4. A classe média, a imprensa e a maior parte dos formadores de opinião votaram na oposição e não nutrem simpatia pela Presidente.
5. Algumas providências urgentes na área econômica e relativas ao ajuste fiscal, além de impopulares, contrariam em alguma medida o discurso de campanha.
II. ALGUMAS OUTRAS CONSTATAÇÕES
1. Há uma saturação da sociedade em relação ao modelo político do país e sua baixa identificação com a cidadania.
2. Há uma saturação em relação à corrupção endêmica no país.
3. Há uma saturação em relação à qualidade dos serviços públicos.
4. A insatisfação social é ampla e difusa. Ela não se concentra em lideranças específicas. Pelo contrário, nenhuma liderança política atual simboliza efetivamente este sentimento de mudança. Em muitas manifestações, é inequívoca a hostilidade à classe política em geral.
5. O país enfrenta dificuldades éticas não apenas no governo, mas na sociedade em geral. Pessoas apontam o dedo incisivamente, mas vivem sob a égide de uma moral dupla, quando não da mais pura hipocrisia.
Exemplo 1. O país tem problemas civilizatórios básicos em relação ao respeito ao outro, a não buscar vantagens indevidas e a agir com boa-fé. Entre eles se incluem a dificuldade em respeitar a fila, as barbaridades no trânsito (uso do acostamento, estacionamento na calçada, embriaguez ao volante, atropelamentos com fuga), a prática costumeira de não dar nota em restaurantes, a cobrança de preços diferentes por prestadores de serviços se há exigência de recibo pelo usuário, a vandalização de lugares e monumentos públicos etc.
Exemplo 2. Um caso concreto emblemático. Tenho um casal de conhecidos que me contou, incidentalmente, a seguinte história. Ambos manifestaram indignação com a empregada doméstica, que pedira para não assinar a carteira para poder continuar a receber a Bolsa Família. Pouco à frente na conversa, contaram que a filha vivia conjugalmente com um companheiro há muitos anos, mas que não havia se casado para não perder a substancial pensão que recebia do avô, que somente beneficia neta solteira. Como disse, há uma moral dupla. Mas não se trata de uma atitude deliberada de má-fé: as pessoas nem se dão conta. Foram criadas nessa cultura e a consideram um dado da realidade, e não uma escolha pessoal.
Repito, para que não haja dúvida: não estou endossando ou negando qualquer desses pontos. Trata-se de uma mera fotografia do momento atual, como eu consegui captar do meu ponto de observação.
III. O QUE RESERVA O FUTURO
1. Avanços importantes e as novas exigências
Não se impressionem excessivamente com a complexidade do momento atual. Crises e insucessos momentâneos fazem parte da história dos povos e do seu processo de amadurecimento. Nas horas de aflição, é sempre bom lembrar o quanto avançamos. Tome-se o exemplo dos direitos fundamentais. A liberdade de expressão, tardiamente, mas com grande ímpeto, desfruta o status de liberdade preferencial. Ações afirmativas de vários graus têm ajudado a enfrentar a discriminação e a exclusão social de afrodescendentes. Há uma visível ascensão social da mulher na vida brasileira, inclusive com o combate severo à violência doméstica (Lei Maria da Penha). O direito dos homossexuais à igualdade plena vem sendo progressivamente reconhecido, inclusive quanto às uniões civis e ao casamento. A crise brasileira hoje é de outra natureza: a de uma sociedade que melhorou o seu nível de vida, que passou a ter mais consciência de seus direitos e tornou-se mais exigente em relação às práticas políticas e aos serviços públicos que recebe. Nossos desafios no presente são os do aprofundamento democrático e os da mudança de patamar econômico e social, inclusive com o aumento do nível de renda. Somos muito melhores do que já fomos, ainda que não tão bons quanto queremos ser.
3. Três itens de uma agenda de avanço social
Para superar este atraso, a agenda do país deve incluir, além da Reforma Política, diversos outros itens essenciais. Selecionei três para compartilhar aqui:
1. Em matéria de EDUCAÇÃO, alcançada a universalização do ensino fundamental, é preciso investir em qualidade efetiva; o ensino médio, por sua vez, deve ter a sua universalização elevada à condição de prioridade máxima; e, no tocante ao ensino superior, precisamos criar instituições de ponta, em um modelo totalmente diverso do que está aí (mas sem enfrentar ou desfazer o que já existe): público nos seus propósitos, privado no seu financiamento, com bolsas de estudo para recrutar os melhores alunos, com professores contratados em seleções internacionais e aulas em português, inglês e espanhol. Não é possível detalhar aqui esse projeto, no qual eu trabalhava quando fui indicado para o Supremo Tribunal Federal, mas considero-o essencial para o país.
2. Em matéria de ECONOMIA, precisamos superar o preconceito contra a livre-iniciativa e o empreendedorismo. Esse preconceito decorre do capitalismo de Estado que desde o início do processo de substituição de importações e de industrialização se praticou no Brasil. O imaginário brasileiro ainda associa o capitalismo doméstico a (i) concessões com favorecimentos, (ii) obra pública com licitações duvidosas, (iii) golpes no mercado financeiro e (iv) grandes latifúndios, sucessores das sesmarias ou produtos de grilagens. É uma percepção que vem do tempo em que toda riqueza era injusta, quando não desonesta. Precisamos de marcos regulatórios claros, respeito aos contratos, estímulo à competição e ao capital de risco. Ah, sim: e de empresários que não sejam viciados em financiamento público.
3. E, por fim, em matéria de COMPORTAMENTO SOCIAL, precisamos do florescimento da sociedade civil, independente do Estado, criativa e solidária, com empreendedores sociais que conduzam uma agenda verdadeiramente cívica. Necessitamos de boas causas, boas ideias e de filantropia. Pessoas e instituições que funcionem como agentes do bem e do progresso social. Iniciativas pequenas ou grandes, que incluem a adoção de uma praça, o financiamento de uma biblioteca de bairro, a ajuda material a uma escola carente, a difusão do acesso à internet, a manutenção de um posto de saúde, a prestação de assistência judiciária, o apoio financeiro e logístico a abrigos de menores, projetos de arborização de comunidades, ensino à distância pela rede mundial de computadores, recuperação de drogados, reinserção de presidiários etc3. Em muitos desses domínios já existem iniciativas relevantes e virtuosas, mas longe de serem suficientes. Mudando de patamar, pode-se incluir a subvenção a um museu, a uma orquestra, a jovens promissores. Se queremos mais sociedade e menos Estado, a sociedade tem de fazer a vida acontecer. A crise atual seria menor se o Estado não fosse protagonista de tudo.
3. Brasil: um sucesso a celebrar
É preciso ter em conta que o Brasil só começou, verdadeiramente, em 1808, com a vinda da família real. Até então, os portos eram fechados ao comércio, era proibida a fabricação de produtos na colônia, bem como a abertura de estradas. Inexistia qualquer instituição de ensino médio ou superior, e cerca de 98% da população era analfabeta.
Mais grave ainda, um terço dos habitantes eram escravos, o que constituía uma chaga moral e uma bomba-relógio social. Além disso, fomos herdeiros de uma tradição que, apesar de muitas virtudes, era a do último país da Europa a abolir a Inquisição, o tráfico de escravos e o absolutismo. Tivemos que construir um país quase do zero, a partir do início do século XIX. Pois bem: em pouco mais de 200 anos, o Brasil se transformou em uma das dez maiores economias do mundo. Nos últimos tempos, cerca de 30 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza. Temos uma das maiores democracias de massas da Terra, com estabilidade institucional e alternância no poder. Nosso sistema de urnas eletrônicas é original, confiável e admirado por toda parte. Em suma: o Brasil foi um dos maiores sucessos do século XX. Eu olho para trás e vejo realizada boa parte dos meus sonhos de juventude. Agora, ao longo do século XXI, vamos enfrentar o abismo social brasileiro, com educação, empreendedorismo e serviços públicos de qualidade. E, então, com atraso, mas não tarde demais, chegaremos finalmente ao futuro, oferecendo um exemplo de civilização para o mundo, com justiça social, liberdades públicas, diversidade racial, pluralismo cultural e alegria de viver.
______________
1 Algumas coisas que estavam fora de lugar: Herzog era judeu, mas não fora enterrado na ala reservada aos suicidas no cemitério israelita. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, celebrou um culto ecumênico na Praça da Sé em sua memória. Uma multidão comparecera ao evento. Como peças embaralhadas de um quebra-cabeças, eu tentava entender porque uma autoridade católica celebrara uma cerimônia pública para um judeu que havia se suicidado, atraindo milhares de pessoas. A partir desses dados, minha pequena investigação pessoal confirmou a evidencia: Herzog fora preso arbitrariamente e morrera sob tortura nas mãos das autoridades militares.
3 Para outros exemplos, v. Daniel Barcelos Vargas, Creative Society in the Making, mimeografado, dezembro de 2013, p. 2; e Rony Meisler, Quando culpar o Estado sairá de moda?, O Globo, 11 out. 2014, p. 15.





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