terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A possibilidade de concessão de tutela antecipada ex-officio

Verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, pode o juiz conceder a antecipação de tutela de ofício ou encontraria óbice no caput do artigo 273 do CPC?*


Giselle Borges Alves


Pela disposição do caput do art. 273 do CPC o requerimento do interessado é imprescindível, sendo este um desdobramento do princípio da inércia da jurisdição, previsto também no art. 2º. Utilizando uma interpretação estritamente literal do dispositivo é indispensável a provocação da parte para a concessão da tutela antecipada em qualquer circunstância.

Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais. (CPC)
A nova interpretação do Direito Processual Civil com enfoque na preocupação do Poder Judiciário quanto à efetividade do processo e na observância dos princípios constitucionais, presenciamos um entendimento mais elástico por parte da doutrina jurídica com relação à disposição contida no art. 273 do CPC. Segundo alguns doutrinadores jurídicos, na atual conjuntura os poderes conferidos ao Estado-juiz permitem, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, a concessão de ofício dos efeitos da sentença mesmo sem o requerimento do autor. Entre os adeptos está o professor Cássio Scarpinella Bueno que defende de forma clara a possibilidade de deferimento ex-officio da tutela antecipada.

À luz do "modelo constitucional do processo civil", a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor "efetividade", máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da prestação da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se desde a análise da petição inicial. Ademais, trata-se da interpretação que melhor dialoga com o art. 797, tornando mais coerente e coeso o sistema processual civil analisado de uma mesma perspectiva. (BUENO, 2009)
No mesmo sentido da orientação acima, Márcio Augusto Nascimento, no artigo “Concessão ‘ex-officio’ de tutela antecipada”, sustenta que o princípio do poder geral de cautela previsto no art.798 do CPC é perfeitamente aplicável à tutela antecipada para a “manutenção do império da ordem jurídica”¹ . Justifica esta posição afirmando que tanto a tutela antecipada como a medida cautelar são espécies de tutela provisória que deve ter como cerne a efetividade. Apesar disso destaca que a concessão ex-officio deve ser realizada com prudência².

Com relação ao abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, o professor Cássio Scarpinella Bueno (2009) ressalta que o mau comportamento do réu faz surgir “uma ‘urgência presumida’ a favorecer o autor que tivesse condições de demonstrar ser o destinatário da tutela jurisdicional tal qual pedida” .

Assim, importa, para fins do art. 273, II, que haja abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu, aliado à prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança da alegação nos termos discutidos pelo n. 2.3, supra. Não há, para a hipótese, necessidade da demonstração de qualquer urgência. Trata-se de um caso em que a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional dá-se com caráter punitivo, verdadeiramente sancionatório. (BUENO, 2009)

Tanto o dever de lealdade como de boa-fé devem ser levados em consideração durante todo o processo. Ao perceber que o réu está abusando do direito de defesa ou agindo com propósito eminentemente protelatório – ensejando, por exemplo, a configuração de qualquer das hipóteses previstas no art. 17 do CPC -, o juiz não só pode como deve conceder a tutela antecipada mesmo sem ter sido pleiteada desde que presente os requisitos mínimos para concessão da medida como meio de tornar eficaz um provimento urgente³.

Márcio Augusto Nascimento, ao tratar da tutela antecipada sob a égide do abuso do direito de defesa e do manifesto propósito protelatório do réu, cita o professor Fernando Luiz França com a obra “A antecipação da tutela ex-officio”, que também afirma o caráter sancionatório da concessão e o dever de agir do magistrado.

A atuação dolosa do réu com manifesto propósito protelatório ou com abuso do direito de defesa atenta contra o próprio Estado a quem também interessa a rápida solução da lide . Anderson Alves destaca no artigo intitulado “Da atuação do juiz na tutela antecipada” , as palavras de Fernando Luiz França, para quem qualquer comportamento ilícito da parte contraria a própria finalidade do processo e atenta contra a dignidade da justiça, autorizando o Estado-juiz a antecipar a tutela como represaria à ilicitude. (ALVES, 2007)

Anderson Alves, citando as palavras de Roberto Vieira de Almeida Rezende, ressalta que o juiz como ser político que não está cingido ao rigor das palavras dos textos legais, sendo um pensador do direito e não mero aplicador.

Não é aceitável, pois, que o Estado não se insurja contra estas mazelas, principalmente aquele que a percebe de frente, a exemplo do juiz. Pois, este deve repudiar condutas atentatórias a dignidade da justiça e a direito da parte, sempre de forma motivada demonstrar o que o conduziu ao ato de repulsa. (ALVES, 2007)
Diante do exposto, a conclusão quanto à viabilidade da concessão ex-officio da tutela antecipada em caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu é positiva, tendo em vista os princípios que cercam a sistemática processual vigente (boa fé, efetividade, celeridade, manutenção da dignidade da justiça). A ninguém é dado o direito a utilização de mecanismos processuais de defesa com o intuito de prejudicar a parte contrária, sem receber uma sanção do Estado-juiz que permita a satisfação, mesmo que provisória, do jurisdicionado prejudicado pela atuação dolosa da parte adversária.

Notas:
¹ Enquanto o interesse da parte cinge-se à tutela de seu direito subjetivo, o do Estado refere-se à manutenção do império da ordem jurídica. Pois bem, na busca da justa composição da lide que gera pacificação social, o órgão judicial tem direitos e deveres processuais que podem ser lesados ou postos em risco pela desídia ou má-fé da parte.” (NASCIMENTO, 2004)
² Nascimento (2004) destaca os casos excepcionais para a concessão da tutela sem requerimento da parte: “[...] O Direito deve estar a serviço da vida, e não a vida a serviço do Direito. Por isso, acredito que a tutela antecipatória pode ser deferida, de ofício, em casos excepcionais onde se evidencia que: a) o feito tem natureza previdenciária ou assemelhada; b) o valor do benefício é imprescindível para a subsistência do autor; c) a parte é hipossuficiente, não só do ponto de vista econômico, mas também de conhecimento de seus direitos; d) o direito postulado restou provado de forma induvidosa; e) a falta de prévio requerimento de tutela antecipatória, como motivo para não concessão de antecipação da tutela, revela-se como flagrante injustiça contra a parte autora.”
³ Neste sentido o professo Cássio Scarpinella Bueno (2009, p. 08) destaca: O art. 17, ao prever atos de litigância de má-fé, disciplinando o que o n. 4 do Capítulo 2 da Parte IV do vol. I chamou de "princípio da lealdade", é adequado referencial de comportamentos que devem ser levados em conta para fins de antecipação da tutela com base no dispositivo de lei aqui examinado. As situações lá previstas, contudo, não excluem que outras, mesmo quando nele não previstas, levem à mesma conseqüência.

Referências:


ALVES, Anderson. Da atuação do juiz na tutela antecipada. Web artigos. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14. nov. 2010.

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Vade Mecum Compacto. Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes (Colaboração). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. Fonte: Curso sistematizado de Direito Processual Civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 09-41. Material da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil –Anhanguera- Uniderp/IBDP/Rede LFG.

NASCIMENTO, Márcio Augusto. Concessão "ex officio" de tutela antecipada. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2010.


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*Texto elaborado para a disciplina Processo de Conhecimento
 
Giselle Borges Alves
Advogada em Unaí/MG - OAB/MG 128.689
Pósgraduanda em Direito Processual Civil pela Rede LFG em parceria com o IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e a Universidade Anhanghera Uniderp - Campo Grande/MS.
 

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